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Acompanhamos, na semana passada, um caso que nos fez lembrar o lamentável perío­­do do "apagão aéreo", principalmente pelas incertezas e pelas horas de espera em aeroportos brasileiros. Porém não estávamos diante de nenhum incidente envolvendo a aviação comercial brasileira. Não havia passageiros deitados em saguões ou pessoas reclamando e brigando em balcões de empresas aéreas.

O fato em questão é aquele relativo à transferência, para o Rio de Janeiro, de três presos que se encontravam (e que ainda se encontram) na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, na região Oeste do Estado do Paraná. Uma história que começou às 18 horas do dia 28 de julho e que se encerrou apenas no início da manhã do dia seguinte.

Em suma, o avião que levava os presos ao Rio de Janeiro decolou de Cascavel, no Paraná, por volta das 18 horas e aterrissou na Cidade Maravilhosa aproximadamente às 20h15. Ocorre que, antes do desembarque, todos foram surpreendidos com uma ordem judicial que determinava o imediato retorno dos presos ao Paraná. Então, decolaram do Rio de Janeiro; sobrevoaram Campo Grande (MS); pousaram em Presidente Prudente (SP); decolaram para Foz do Iguaçu; e, enfim, seguiram de carro mais 220 km até Catanduvas, onde chegaram por volta das 7h50 da quarta-feira, dia 29.

Uma operação que envolveu dezenas de policiais federais, pilotos da Força Aérea Brasileira e equipamentos. Uma operação que custou ao povo brasileiro, sem sombra de dúvida, muitos e muitos milhares de reais.

Pois bem, qual foi a origem de toda a confusão? Aparentemente, um conflito de competência entre a Justiça Estadual do Rio de Janeiro e a Justiça Federal no Paraná. E por que "aparentemente"? Porque "conflitos de competência" são absolutamente comuns no âmbito do Poder Judiciário. Uma questão técnica que, ressalvado o tempo de espera de uma nova decisão, não traz maiores prejuízos às partes. Assim, a origem do problema não nos parece ser o conflito de competência em si.

A desnecessária movimentação ocorrida tem uma origem mais direta: segundo o Ministério da Justiça, a decisão da Justiça Federal no Paraná teria sido comunicada à Justiça Estadual do Rio de Janeiro ainda no início do mês de julho, ou seja, quase 30 dias antes da frustrada viagem. Confirmado isso, é evidente que a decisão fluminense veio com significativo atraso, atraso esse que causou elevados e desnecessários gastos para todos nós.

Mas não é só isso. Há ainda outro aspecto que merece a nossa atenção: as deficiências do ordenamento jurídico brasileiro. A decisão com a determinação de que os presos deveriam retornar ao Rio de Janeiro baseou-se no fato de que os presos já estariam na penitenciária de segurança máxima por um perío­­do superior ao legalmente previsto – presos se encontram em Catanduvas há mais de dois anos e a regra é a de que o prazo de permanência não pode ultrapassar 360 dias–, no comportamento carcerário, na ausência prova de cometimento de novos crimes e e no fato de que, por terem cumprido mais de um sexto das suas correspondentes penas, já teriam eles o direito à progressão de regime (do fechado ao semiaberto).

Erraram os juízes paranaenses? Provavelmente não. Cumpriram a letra da lei. E se a lei se apresenta de forma equivocada, complacente ou, ainda, desconectada do mundo real, o que devemos fazer, como cidadãos, é lutar pela sua revogação ou alteração.

Temos de pensar no presente e futuro. Temos de pensar hoje naquilo que desejamos para o amanhã. E assim, partindo do pressuposto de que perguntas são normalmente muito mais interessantes do que afirmações, cabe-nos tentar responder: a) como podemos integrar e melhorar a comunicação entre órgãos públicos, para evitar desperdícios de recursos tais como o acima mencionado? b) é normal um país como o Brasil, com toda a sua extensão e com todas as suas dificuldades socioeconômicas, ter apenas duas ou três penitenciárias de segurança máxima? c) o quase desesperado apelo do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, não demonstra a gravíssima situação em que se encontra o sistema prisional daquele ente da Federação, ou melhor, do próprio sistema prisional brasileiro? d) nossa legislação não é benevolente demais no que concerne a prazos máximos de encarceramento? e) são adequados os prazos de cumprimento de pena estabelecidos para o início da progressão dos regimes, mesmo se consideradas as regras aplicáveis aos crimes hediondos (dois quintos para apenados primários e três quintos para reincidentes)? Essas são as questões que realmente merecem ser debatidas.

Como se vê, o episódio "Catanduvas-Rio-Catan­­du­­vas" é mais um dos tantos casos reveladores das mazelas que afligem o Estado Brasileiro, as quais, infelizmente, parecem não ter fim.

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