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Diz-se ser “de coalizão” o presidencialismo vigente no Brasil. O Poder Executivo se sustenta e é até capaz de assumir transversas funções legislativas e desenvolver os programas de governo que definir se contar com base política majoritária representada por bancadas partidárias comprometidas em dar-lhe apoio e subserviência. Em troca, elas ganham ministérios e cargos estratégicos na administração, dividem o poder e garantem futuras vitórias eleitorais. Vem daí a prática nefasta de criar tantos ministérios quanto possível e distribuir cargos às legendas para que, no Legislativo, se mantenham fiéis aos desejos presidenciais. É a política de “uma mão lava a outra”.

Não se explica de outra forma o fato de o governo de Dilma Rousseff contar com quase 40 ministérios, proporcionalmente divididos (em número e importância) entre os partidos ditos “aliados” – aliados sob a condição, também, de serem contemplados com liberações de verbas provenientes de emendas parlamentares e com outras regalias, nem sempre republicanas. Se, de um lado, o governo na maioria das vezes obtém o que quer, de outro acaba refém de caciques cuja voracidade ainda não foi saciada.

A manutenção dos vetos custou ao Planalto um punhado de ministérios, inclusive a influente pasta da Saúde

Deste mal sofre atualmente a presidente Dilma Rousseff: juntaram-se contra ela as próprias trapalhadas do governo e a índole duvidosa dos presidentes das duas casas do Congresso – o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros. A oposição formal não precisou atuar para que o governo desmoronasse. Bastaram as chantagens peemedebistas para pôr em risco o esforço despendido pelo Executivo para fazer o necessário ajuste fiscal. A pauta-bomba permitiu a criação de despesas impagáveis, logo vetadas pela presidente. A análise dos vetos pelo Congresso, dias atrás, mostrou como é a reforma ministerial que Dilma pretendia fazer.

Se ainda havia um fio de esperança de que Dilma tivesse a coragem de colocar na Esplanada nomes capazes, escolhidos pelo mérito, pelo genuíno interesse pelo Brasil e pela capacidade de tirar o país do atoleiro, esse fio foi logo tesourado pela realidade. A manutenção dos vetos custou ao Planalto um punhado de ministérios, inclusive a influente pasta da Saúde, que o PT sempre tomou para si. Dilma ofereceu, primeiro, a Cunha, Calheiros e ao vice-presidente Michel Temer a chance de indicar nomes. Eles tiraram o corpo fora, e a oferta foi feita ao baixo clero do PMDB. Coube ao líder do partido na Câmara, o fluminense Leonardo Picciani, entregar à presidente a lista de nomes.

A dificuldade para concluir a recomposição do gabinete é tanta que se chegou a ponto de paralisar os entendimentos por não se ter encontrado um lugar para abrigar o deputado Helder Barbalho, filho do senador paraense Jader Barbalho (PMDB). Com o impasse instalado, Dilma simplesmente avisou Temer que estava decolando para Nova York, para a Assembleia Geral da ONU, e que os anúncios definitivos ficariam todos para a próxima semana.

Está-se diante, assim, de uma reforma na qual o que menos se cogita é diminuir o tamanho da máquina pública ou economizar recursos, mas recompor em outras bases a coalizão que se revelou ingovernável. Extingue-se aqui, funde-se lá, limita-se a presença de uns e outros, mas no fundo se mantém o velho estilo. As escolhas, tudo indica, obedecem menos a critérios de eficiência e mais à escolha de Dilma de submeter-se a indicações dos mais influentes chefetes partidários. Trata-se, como se vê, de uma reforma ministerial de fancaria, pois o que menos conta é a qualidade técnica, política e moral das pessoas que passarão a compor o primeiro escalão, mas um (outro) arranjo de caráter fisiológico em que (como sempre) não estará presente em primeiro plano o interesse público, mas a sobrevivência da presidente no cargo. Afinal, como o próprio Lula aconselhou a Dilma, segundo petistas que estiveram na conversa entre criador e criatura, “é melhor perder ministérios que a Presidência”. E aqui vem a pergunta inevitável: se a manutenção de umas dezenas de vetos custou ministérios essenciais, qual será o preço caso um pedido de impeachment chegue ao Congresso?

Enquanto isso, a inflação se descontrola, o real se desvaloriza como nunca, o desemprego cresce, o PIB decresce, a recessão se instala e luz não se vê no fim do túnel. Nem a presidente recupera a credibilidade por faltar-lhe engenho e arte para recolocar a economia nos trilhos, nem se restaura a moralidade e a eficiência na administração pública. O gesto de reduzir ministérios para fingir austeridade não será o bastante se o método de dividi-los for o mesmo de sempre.

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