• Carregando...

O Brasil precisa aproveitar este momento de crise no setor público para encaminhar um projeto de lei regulamentando o direito de greve dos servidores

A ampliação do leque das funções do Estado, fenômeno observado especialmente no século 20 com a ascensão do Estado de bem-estar social, levou a máquina pública a crescer demasiadamente e a responder, em alguns países, por 50% do gasto nacional agregado. No Brasil, o governo gasta, nos três níveis, 41% do Produto Interno Bruto (PIB) e arrecada 38% em forma de tributos. A diferença, 3% do PIB, representa o déficit público nominal, estando incluído nessa conta o gasto com juros da dívida pública.

Por ter crescido demais e ter se tornado a maior entidade econômica, o Estado precisa ser domado e controlado, tanto para não sair dos trilhos e se transformar em uma falência econômica, como para não exorbitar de seus poderes e, no exercício de suas funções públicas, virar um algoz e opressor daqueles a quem deve servir. Aqui reside um ponto fundamental: o governo ainda tem o poder de regular e fiscalizar o funcionamento do mercado e o comportamento social, por meio de intervenções atribuídas ao Estado por lei votada pelos representantes do povo.

Além da necessidade de limitar o poder do governo de intervir, de regular e de fiscalizar o mercado, a sociedade enfrenta a necessidade de aprovar mecanismos que impeçam o Estado de se tornar opressor, com poder de fazer a sociedade refém dos interesses daqueles que o comandam: os políticos e os burocratas, que agora travam uma queda de braço com cerca de metade dos servidores públicos do Brasil. O país chega ao ponto de ter mais de 30 categorias de funcionários públicos em greve, um movimento que envolve quase 360 mil servidores com capacidade de parar o Brasil. Cenas de policiais rodoviários fechando rodovias e de pessoas esperando transplante de medula na porta de hospitais públicos fechados pelos grevistas demonstram o impacto das paralisações em aspectos essenciais da vida do cidadão e, se por um lado chamam a atenção para as reivindicações das categorias mobilizadas, por outro lado nem sempre servem para conquistar o apoio popular, à medida que os transtornos prejudicam não o "patrão" dos servidores (o Estado), mas seus "clientes" (a população).

O governo, quando se torna propriedade dos políticos e de uma elite sindical nem sempre preocupada com a situação dos trabalhadores que representa ou da população a que serve, passa a viver em função de seus interesses internos e corporativos, acuando a sociedade e ameaçando a segurança, a normalidade e a paz social. O Estado tem limites financeiros e só pode gastar o que arrecada, dentro dos tetos que lhe são impostos por lei. No caso dos gastos com pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal fixa o porcentual máximo que o governo pode gastar em relação ao total de tributos retirados da população. Se os salários são baixos, o governante tem de reduzir o tamanho do governo, diminuir o número de funcionários e, aí sim, elevar a remuneração individual dos servidores.

O servidor público é beneficiado com estabilidade no emprego, aposentadoria integral paga pelo Tesouro (pelo menos para os atuais trabalhadores) e garantia de não demissão por mera vontade do chefe. Por esses benefícios e por serem servidores públicos, os funcionários do governo deveriam ter seu direito de greve melhor regulado. Paralisações em setores tão essenciais, em que falhas no atendimento têm a capacidade de encurralar a população, danificar a economia e ameaçar a vida de pessoas, demonstram a necessidade urgente de repensar as estratégias de mobilização e corrigir a irresponsabilidade do governo e dos políticos, que não votaram leis regulamentando o direito de greve no serviço público, o que era previsto pela Constituição de 1988.

Se os operários de uma fábrica de sapatos fazem greve, o problema fica restrito à empresa, aos empregados e aos patrões, sem causar mal algum à sociedade. Nos serviços públicos que são monopólios do governo, o desacerto entre os funcionários e os governantes transforma-se em instrumento contra a população. Ou o Brasil aproveita este momento de crise no setor público para encaminhar um projeto de lei regulamentando o direito de greve de servidores públicos, ou veremos o aprofundamento do Estado de mal-estar social e o crescimento da opressão estatal sobre a população indefesa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]