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O afastamento da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não foi, como poderia parecer à primeira vista, uma decisão natural do Palácio do Planalto diante dos abusos cometidos pela agência contra autoridades da República cujas conversas telefônicas têm sido "grampeadas". Não fosse a pressão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, o caso seria tratado como de costume – com uma investigação interna sem maiores conseqüências. Desta vez, porém, a bisbilhotice denunciada há tempos alcançou proporção tal que o Palácio do Planalto não poderia tratar a questão como caso isolado.

Criada em 1999, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a Abin deveria funcionar, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, como o serviço de inteligência civil do país, com uma atuação semelhante à que a CIA exerce nos Estados Unidos. Os abusos cometidos – ainda que não se saiba exatamente quem estava envolvido, nem se havia conhecimento da cúpula – demonstram que agentes da Abin vinham atuando como se tivessem poder de polícia. A proximidade do recém-afastado diretor-geral da agência, Paulo Lacerda, com a cúpula da Polícia Federal, já dirigida por ele, pode ter contribuído para essa confusão de papéis que está custando caro às instituições brasileiras. Enquanto autoridades dos três poderes cultivam desconfianças mútuas, o sigilo das comunicações telefônicas, salvaguardado pela Constituição Federal, tem se transformado em letra morta.

Como ficou patente pelas denúncias que levaram à abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas e pelas denúncias tornadas públicas no fim de semana, a Secretaria de Segurança Institucional não tem efetivo controle sobre as atividades da Abin. Controle esse que deveria garantir que os serviços de inteligência não lançassem mão de suas prerrogativas para agir em nome de interesses políticos escusos. A rede de proteção também foi rompida pelo desconhecimento ou descaso – a saber – do núcleo de contra-inteligência da agência e da Comissão Mista de Controle de Órgão de Inteligência do Congresso Nacional.

O afastamento da Cúpula da Abin é um começo. A promessa de que os responsáveis serão punidos e demitidos é um passo adiante – com efetividade a ser conferida. Do Senado espera-se o mesmo rigor diante dos resultados da investigação cuja abertura foi determinada ontem pelo presidente da Casa, Garibaldi Alves, para verificar se a ordem para o grampo que registrou a conversa do senador Demóstenes Torres com o ministro Gilmar Mendes teria partido da Casa. Mas a República reclama mais. É preciso que a Abin se despoje de qualquer relação com as práticas autoritárias do nefasto Serviço Nacional de Informação, dos tempos da ditadura. No lugar de tais práticas, que se construa uma cultura de inteligência dissociada do viés policialesco e amparada pelos saudáveis mecanismos de vigilância a garantir a harmonia entre os poderes e a convivência pacífica em uma nação que vive sob o signo da democracia.

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