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Chama a atenção a maneira truculenta com que um setor governamental afastou técnicos não-alinhados com a ortodoxia desenvolvimentista mantida pela equipe econômica do governo Lula. Esse gesto da Secretaria Extraordinária de Longo Prazo e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é mais um dos atos arbitrários praticados na atual administração federal.

Trata-se da substituição de pensadores econômicos respeitados, como Fábio Giambiagi, estudioso das questões conjunturais e autor de diversos livros; Régis Bonelli e Otávio Tourinho, pesquisadores que formularam caminhos para que a indústria e a agropecuária nacionais enfrentassem o desafio da globalização; e Paulo Levy, perito na busca do equilíbrio macroeconômico.

Tidos como independentes, esses profissionais foram substituídos por economistas da chamada linha desenvolvimentista, afinados com o pensamento de esquerda, que defende um Estado paternalista.

Em lugar de Levy, por exemplo, assumiu João Sicsu, um professor que defende a tese de que o Estado brasileiro precisa ser ampliado com a contratação de mais servidores, porque o número atual seria insuficiente para atender todas as tarefas em um modelo desenvolvimentista e igualitário.

A questão é que o Ipea, criado em 1964 pelo então ministro Roberto Campos, surgiu com a missão de planejar o país, recebendo a mais ampla autonomia. Seu líder mais destacado, o economista João Paulo dos Reis Velloso – que se tornaria também ministro do Planejamento –, assinala que a entidade manteve o perfil de independência em relação ao governo para poder operar como uma fábrica de idéias capaz de romper o statu quo a que o país parecia relegado. Assim, seus técnicos receberam alto treinamento e venceram sucessivos desafios: o primeiro deles foi o refinamento do Plano de Ação Econômica do governo, que fundamentou o milagre econômico do início dos anos 70.

Essa autonomia do Ipea, respeitada mesmo durante a fase autoritária, granjeou respeito nacional pela instituição que agora se acha sob risco. Afinal, qual a utilidade de um órgão de estudos econômicos sem liberdade para diagnosticar problemas estruturais – como o insustentável gasto público – ou avaliar cenários de risco como os desta "era de turbulências globais", nas palavras do ex-presidente do Banco Central norte-americano, Alan Greenspan?

O expurgo do Ipea é comparável a outra arbitrariedade recém-cometida pelo Executivo: esta semana o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirmou que desconsideraria a resolução da Conferência Nacional de Saúde proibindo a discussão sobre aborto, emitida dias antes. As resoluções da Conferência costumam servir de base para a construção de políticas públicas do setor. Desta vez, porém, por contrariar a convicção pró-aborto do ministro, o parecer será ignorado.

Entendemos que conselheiros mais sensatos deveriam demonstrar ao presidente da República o quanto tais atos autoritários prejudicam os esforços para consolidar a democracia.

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