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O Judiciário paranaense viveu uma dupla reviravolta ontem: no primeiro episódio, aos 67 anos, o desembargador Clayton Camargo, presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), teve aprovado seu pedido de aposentadoria, apresentado na sexta-feira passada – embora ainda pudesse permanecer atuando na corte até completar 70 anos. Camargo havia se afastado temporariamente da presidência do TJ por problemas de saúde, mas retomou o cargo no dia 20, um dia depois de o presidente interino, desembargador Paulo Vasconcelos, revogar um edital de licitação para a reforma do prédio do TJ, orçada em R$ 80 milhões – um dos últimos atos de Camargo foi justamente retomar a licitação.

A saída de Camargo, que alegou motivos de saúde, é surpreendente, mas é praticamente impossível dissociá-la da investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referente a denúncias de influência em um caso de venda de sentenças (apuração iniciada em 2011) e de tráfico de influência na eleição de seu filho, o então deputado estadual Fabio Camargo, para uma cadeira de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado, em julho deste ano. Ontem mesmo, o Conselho havia decidido afastar o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, Gursen de Miranda, e abrir procedimento administrativo disciplinar contra ele. Camargo poderia ter o mesmo destino daqui a alguns dias.

Deixar a presidência e o próprio TJ por conta própria, assim, pouparia Clayton Camargo de um constrangimento. Como o máximo que o CNJ poderia fazer seria decretar o afastamento do desembargador, com aposentadoria compulsória, Camargo decidiu antecipar-se às consequências de uma possível decisão contrária do Conselho, talvez até colocando um fim à própria investigação. Atitude comparável à de um deputado que renuncia ao mandato às vésperas da votação que decidirá sua cassação – com a diferença de que, enquanto o parlamentar perde tudo ao renunciar, o desembargador teria garantida sua fonte de renda para o resto da vida.

Dizemos "teria" porque, em uma decisão muito louvável (e que constituiu a segunda reviravolta do dia), o corregedor do CNJ, ministro Francisco Falcão, acolheu pedido da subprocuradora-geral da República Lindora Maria Araújo e assinou ontem mesmo a revogação da aposentadoria de Camargo, determinando que o benefício não seja concedido até que a situação do desembargador seja julgada pelo Conselho, em outubro. De fato, seria lamentável que a aposentadoria passasse uma borracha definitiva nas acusações feitas contra Camargo, pois elas são sérias demais para que o desfecho do episódio fosse a simples aposentadoria voluntária do presidente do TJ, sem avanço nas investigações. O CNJ cumpre, assim, seu papel de zelar pela integridade da Justiça em todo o Brasil, evitando que as denúncias de desmandos do Judiciário acabem na vala comum onde jazem tantas outras acusações contra homens públicos deste país.

Não deixa de soar como ironia o fato de que, até poucas semanas atrás, Clayton Camargo se sentia suficientemente fortalecido para pedir – e conseguir – que esta Gazeta do Povo fosse censurada e impedida de divulgar qualquer informação sobre as denúncias pelas quais o desembargador era investigado no CNJ. Sua atitude, noticiada por diversos outros veículos de comunicação em todo o país, atraiu o repúdio de diversos órgãos de classe e entidades em todo o Paraná, a ponto de Camargo desistir da ação inibitória contra o jornal. Assim, não se pode negar que a saída, imediata ou futura, de um desembargador que se dispôs a atropelar a Constituição em defesa de interesses pessoais representa uma vitória da democracia.

A futura substituição de Clayton Camargo também revela a responsabilidade que têm os demais desembargadores que permanecem no TJ-PR, especialmente os que assumirão cargos de direção na corte. Cabe a eles recuperar uma imagem desgastada por denúncias e práticas antidemocráticas. Neste mesmo espaço, há alguns dias, lembramos – no domingo que antecedeu o voto do ministro Celso de Mello sobre os embargos infringentes no processo do mensalão – que o Judiciário havia sido poupado da indignação popular quando das grandes manifestações de rua, em junho. O cidadão precisa confiar na lisura e no senso ético de seus juízes para que a democracia brasileira possa amadurecer. Que a saída de Clayton Camargo da presidência do Tribunal de Justiça do Paraná possa representar um recomeço para a principal corte do nosso estado.

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