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A vitória do grupo Hamas nas eleições da Palestina, na última semana, reacendeu o temor de retrocesso no processo de paz do Oriente Médio, porque esse movimento surgiu pregando a resistência islâmica contra o Estado de Israel, por meio da prática de ações que israelenses, norte-americanos e europeus qualificam de terrorismo. A expectativa é que, uma vez conquistada a maioria de votos da Autoridade Palestina, o Hamas se converta num partido político capaz de substituir a violência radical pela liderança pacífica, dispondo-se a negociar com o governo de Israel e outros interlocutores interessados na estabilização regional.

Foi assim que o grupamento político anterior, congregado em torno do líder histórico Yasser Arafat na Organização para a Libertação da Palestina, progressivamente se transformou de ente rejeitado pela comunidade internacional num movimento habilitado para governar a região, ganhando reconhecimento e ajuda ocidental. É verdade que o núcleo da OLP, o partido Fatah, acabou tolerando práticas de corrupção, situação explorada pelos seus opositores do Hamas – que se apresentou como um incorruptível partido de defensores do islamismo político.

Trata-se de uma transição largamente estudada em Ciência Política, entre outros por Robert Michels e caricaturada em meados do século passado pelo gênio de George Orwell, em sua novela clássica sobre "A Revolução dos Bichos". O exemplo mais evidente foi a lenta degeneração ético-política do movimento comunista, que quando lançado por Karl Marx se chamava pomposamente "Liga dos Justos" e, ao deixar a cena na ex-tinta União Soviética, exibia a face envelhecida de uma burocracia corrompida e inepta – a "Nomenklatura" da Nova Classe.

Outro aspecto a considerar é que o triunfo inesperado do movimento radical palestino incorporado no Hamas interfere no propósito de espalhar a democracia por todos os continentes, sustentado pelo governo Bush dos Estados Unidos. Críticos realistas já haviam advertido que essa tentativa de pluralismo em regiões de cultura tradicional ou patrimonialista (onde a coisa pública é confundida com o interesse privado ou "familial" dos detentores do poder) poderia resultar no predomínio de clãs e grupos religiosos. Entre nós, da América Latina, essa semidemocracia historicamente degenerou no coronelismo expresso pela oligarquia dos grotões e, mais recentemente, após a urbanização das populações, corre risco sob a feição de um populismo esquerdizante.

No mundo islâmico a principal referência das pessoas continua sendo o núcleo religioso a que se filiam, diretamente ou através de seus chefes tribais – os xeques. Por isso, em todos os países onde foram promovidas eleições as facções vitoriosas são as que expressam o "Islã político", em vez de partidos secularizados de estilo ocidental. Essa é a realidade com que se terá que conviver, após o triunfo do fundamentalismo islâmico do Hamas na Palestina.

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