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Uma das mais elementares lições de economia doméstica diz que as famílias não obterão renda regular durante todos os meses e anos de suas vidas. No início, os indivíduos são crianças, em seguida tornam-se adolescentes em fase educação e preparação profissional, e depois, quando já adultos, incorporam-se ao mercado de trabalho e se tornam úteis ao processo produtivo. Daí em diante, vem a fase de obtenção de renda para o próprio sustento e o de suas famílias. Ocorre que, com o imenso aumento da expectativa de vida, em muitos momentos, todos ficarão sem trabalho e, na maioria dos casos, sem renda. Mudanças, desemprego, doença, invalidez, velhice e aposentadoria são alguns dos motivos que impõem, a quase todas as pessoas, períodos sem trabalho e sem remuneração.

Por tais razões, a boa gestão das finanças pessoais ensina que é recomendável poupar e conservar parte da renda auferida nos períodos de ganho, como meio de prover o próprio sustento na fase de "vacas magras", ou seja, quando surgirem crises, emergências e períodos sem renda regular. De certa forma, esse panorama pode ser aplicado a uma nação inteira, o que recomendaria a adoção da estratégia nacional de poupar e guardar parte do que é produzido anualmente para alimentar a população em momentos de crise.

Aplicando esse raciocínio à agricultura, sobretudo à produção de alimentos básicos, seria prudente que o país adotasse a estratégia de formar estoques reguladores capazes de abastecer o mercado nos anos de frustração de safra. Há tempos o Brasil não era castigado com quebra de safra agrícola tão pesada quanto a que se prenuncia para a safra de 2012, e a pergunta que ronda a mente dos formuladores de política econômica é: que consequências a redução das quantidades de alimentos colhidos em 2012 terá sobre a economia e o bem-estar social? A resposta a essa indagação requer examinar alguns pontos, principalmente qual será a demanda mundial por alimento, quanto de estoques reguladores há no Brasil e qual a capacidade gerencial e logística o governo tem para administrar o abastecimento.

Quanto à demanda mundial, a realidade jogará a favor do Brasil, no sentido de que a redução da demanda por alimentos motivada pela crise internacional diminuirá a pressão sobre a oferta de produtos agrícolas e atuará como amortecedor do ímpeto altista dos preços dos alimentos; ou seja, contribuirá para frear um pouco a inflação. Mesmo em anos de alta produção e ótimas safras, o crescimento do consumo mundial, particularmente na China, contribuiu para elevar os preços das commodities agrícolas. O Brasil se beneficiou disso, aumentou suas exportações, fez superávits na balança comercial e acumulou reservas internacionais de 352 bilhões de dólares até o fim do ano passado.

O segundo ponto diz respeito aos estoques reguladores existentes no país. Apesar da lição de economia doméstica citada no início deste texto, ainda que as nações tenham situações parecidas com as famílias, a coletividade é diferente dos indivíduos, no mínimo em dois aspectos: um é que a manutenção de estoques físicos em milhares de armazéns distribuídos pelo território nacional custa muito caro e gera elevação dos preços médios dos alimentos; outro aspecto é que as nações, quando há frustração de safras em seu território, podem se socorrer do mercado internacional e importar os produtos faltantes, livrando-se, assim, de terem que sustentar estoques reguladores além de quantidades mínimas por razões estratégicas. Neste ponto, vale mencionar que tem sido pouco discutida a atuação e a capacidade gerencial da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com seus milhares de armazéns espalhados pelo território nacional.

Qualquer cenário projetado deve levar em conta que toda frustração de safra é um estopim causador de inflação. Considerando que, em 2011, a meta do Banco Central era de uma inflação de 4,5% e a taxa oficial ficou em 6,5%, não poderia haver pior momento para o Brasil sofrer tamanha frustração na colheita agrícola. É possível supor que um dos problemas sérios que o governo terá de enfrentar será como agir diante da expectativa de aumento da inflação causada pela redução na oferta de alimentos primários.

Felizmente, a queda na safra agrícola pega o Brasil com alto volume de reservas internacionais, situação que torna possível a adoção de uma política agressiva de importações para abastecer o mercado interno ou para combater a inflação caso ela ameace sair do controle. Porém, a perda de parte expressiva da safra revela que a população não conhece os pontos da estratégia governamental para enfrentar situações de perda de safra ou crises de abastecimento.

O ato de governar exige que os dirigentes públicos imaginem cenários diversos e definam as estratégias a serem adotadas em cada um deles, como forma de evitar que o governo tenha de agir de forma apressada e improvisada, sem tempo para estudar e planejar decisões inteligentes. Lamentavelmente, no Brasil tem sido assim: a cada crise, uma improvisação.

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