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Houve tempo em que um procurador-geral da República era chamado de “engavetador geral”, tal era sua suposta inércia ou mesmo disposição para erguer barreiras a investigações que envolvessem graúdos suspeitos de corrupção. Durante a campanha de reeleição, em 2014, a presidente Dilma Rousseff repetiu inúmeras vezes que nos 12 anos de governo petista (dois mandatos de Lula e um dela) não houve nenhum “engavetador” – um contraste positivamente marcante em relação ao do antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso. E afirmava que nunca antes na história a Procuradoria-Geral, assim como a Polícia Federal, foram tão livres e equipadas para investigar, prender, denunciar e entregar à Justiça quem quer que fosse flagrado em atos de corrupção. A retórica, às vezes, chegava até a ignorar que tais órgãos servem ao Estado, e não ao governo, confundindo autonomia com liberalidade do mandatário de plantão.

Mas agora, em Brasília, há quem sinta saudades de um “engavetador”! Forças ocultas e outras declaradas movem-se nas sombras para evitar que o procurador-geral Rodrigo Janot seja reconduzido ao cargo. Ele obteve 81% dos votos dos procuradores e promotores que compõem o Ministério Público Federal na eleição da última quarta-feira, dia 5. O resultado é demonstrativo do prestígio e do respeito que seus pares lhe devotam pela atuação que desenvolve à frente de muitos casos de repercussão, de modo especial o de conduzir as investigações do MPF no âmbito do petrolão.

Assim como Roberto Gurgel, não “engavetou” o processo do mensalão, Janot segue a mesma linha no petrolão

Janot está entre os responsáveis pelo fato de grandes figurões do mundo político e empresarial, com e sem foro privilegiado e de diferentes partidos, estarem na mira da Justiça. Alguns estão presos, outros já viraram réus de ações penais – um fato cujas dimensões históricas superam o escândalo do mensalão, esquema em que também estiveram envolvidos e acabaram sentenciados à prisão quase três dezenas de políticos, banqueiros e operadores. Assim como seu antecessor imediato, Roberto Gurgel – que chefiou a PGR entre 2009 e 2013 –, não “engavetou” o processo do mensalão, Janot segue a mesma linha no caso do petrolão.

Por essas e outras razões seria natural a renovação do mandato de Rodrigo Janot: foi o mais votado entre seus pares e tem dado mostras à nação de independência institucional e de segurança jurídica nesta virada histórica contra a impunidade que o país aplaude, tarefa que se tem completado com a atuação firme do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. A presidente Dilma Rousseff, a quem compete indicar nome para o posto de procurador-geral, respeitou os atributos reunidos por Janot e já anunciou que encaminhará seu nome ao Senado, última instância de aprovação ao indicado. Depois de passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa, também o plenário terá de aprovar a manutenção de Janot no cargo.

Entretanto, às escuras, formam a “turma do contra” alguns suspeitos de envolvimento nos esquemas de rapinagem de recursos da Petrobras – dentre os quais o presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha, apontado por um delator como beneficiário de R$ 5 milhões em propina. Outro é o ex-presidente da República e atual senador Fernando Collor – que, irritado com seu indiciamento como receptor de R$ 20 milhões, usou a tribuna para proferir palavrões (inaudíveis, mas percebidos por leitura labial) contra Janot. O presidente do Senado, Renan Calheiros, outro dos ilustres citados na Lava Jato, entra na fila dos que gostariam que a chefia do Ministério Público Federal fosse agora entregue a um “engavetador”.

Se ao Senado basta uma maioria contrária a Janot na CCJ ou no plenário, na Câmara, que não tem voz no processo de nomeação, articula-se uma proposta de emenda constitucional que proíbe ao procurador-geral ser reconduzido a um novo mandato. A emenda, sugestão do deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, foi “contrabandeada” pelo paranaense Osmar Serraglio (PMDB), relator da PEC que originalmente tratava apenas de critérios de escolha para ministros do Supremo Tribunal Federal.

Felizmente, a opinião pública brasileira acompanha, atenta, o desenrolar dos fatos. E condena quaisquer movimentos que venham a prejudicar as investigações e a penalização dos corruptos, esperando de seus senadores que o bom senso prevaleça sobre o corporativismo que busca proteger colegas que cometem irregularidades.

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