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Juros baixos, mas por quanto tempo?
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Por mais que a inflação continue assustando, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou por manter os atuais 2% ao ano na taxa básica de juros, a Selic. O comunicado da reunião encerrada na quarta-feira passada, dia 9, afirma que o Banco Central está monitorando os preços com mais atenção, mas ainda avalia que o choque atual é temporário e se deve a fatores pontuais, e não a problemas estruturais da economia brasileira. A manutenção dos juros no patamar mais baixo da série histórica é importante, mas há alguns sinais no comunicado que apontam, ao menos, para o fim da previsibilidade na definição da Selic em 2021.

A primeira surpresa com o IPCA veio em setembro, quando o índice subiu 0,64%. Depois, os preços avaliados pelo índice oficial de inflação ainda subiram 0,86% em outubro e 0,89% em novembro. O acumulado do ano está em 3,13% e o acumulado nos últimos 12 meses, em 4,31%, já acima do centro da meta de inflação para 2020, que é de 4%. Em meados de setembro (portanto, antes do primeiro choque inflacionário), o Copom já previa que “a inflação deve se elevar no curto prazo”, atribuindo esse movimento à “alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços” com a retomada de atividades devida ao relaxamento de medidas contra a Covid-19. No fim de outubro, o Copom afirmou que “as últimas leituras de inflação foram acima do esperado”, mas que, “apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que esse choque é temporário, mas monitora sua evolução com atenção”. O mesmo palavreado foi usado no comunicado da reunião de dezembro, acrescentando apenas que o Copom deve monitorar “em particular as medidas de inflação subjacente”.

Reformismo de fachada não sustenta juros baixos. As reformas de 2021 precisam ser abrangentes e com efeitos profundos sobre o gasto público

Se as previsões se confirmarem, deve haver alterações significativas tanto do lado da oferta quanto pela demanda. O fim do auxílio emergencial, sem que ainda haja uma retomada mais firme da atividade econômica e, especialmente, do emprego, deve reduzir os gastos das famílias. Enquanto isso, a disponibilidade de alguns produtos no mercado interno deve aumentar – é o caso, por exemplo, do arroz, cuja safra começa a ser colhida em meados de janeiro. Também por isso se justifica a manutenção dos 2%, dando fôlego a governo e ao setor produtivo enquanto se aguarda a possível desaceleração da inflação no início de 2021; se ela não vier, talvez a manutenção do atual patamar fique insustentável.

A mudança mais significativa do comunicado deste dia 9 em relação aos anteriores é a sugestão de que o Copom pode abandonar o forward guidance, tipo de comunicação adotado na reunião de agosto e mantido desde então, em que o comitê faz uma espécie de antecipação das decisões futuras em relação às taxas de juros, desde que cumpridas algumas condições. Ele oferece alguma segurança para que os agentes econômicos tomem decisões de médio ou longo prazo, mas as incertezas que se avolumam vêm tornando mais difícil oferecer esse tipo de garantia. Abandonar o forward guidance, lembra o Copom, não quer dizer que haverá aumento de juros no curto prazo; significa apenas que há menos margem para fazer esse tipo de prescrição.

As condições que o Copom tinha estabelecido quando adotou o forward guidance eram três: se as expectativas de inflação no chamado “horizonte relevante” (que para o Copom é o ano de 2022), as expectativas de inflação no longo prazo e a política fiscal estivessem sob controle, os juros seguiriam no patamar atual. Por enquanto, o comitê avalia que as três condições “seguem satisfeitas”, mas isso pode mudar em breve. Não apenas por causa da inflação, mas especialmente porque há sérias dúvidas quanto à continuidade do ajuste fiscal, com pressão sobre o teto de gastos, e quanto à continuação e intensidade das reformas – basta lembrar que o mais recente parecer da PEC Emergencial, que não chegou a ser apresentado ao Senado, reduzia a previsão de economia inicial, de R$ 12 bilhões no primeiro ano de sua aplicação, para meros R$ 450 milhões. De nada adiantará aprovar projetos ou PECs apenas para ter algo a exibir se tais reformas forem meramente cosméticas e não atacarem de vez os problemas crônicos do gasto público brasileiro. Um reformismo de fachada não sustenta juros baixos.

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