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A UPS do Uberaba não é um assunto de Estado, sobre o qual não deve arbitrar o cidadão comum. Um bom começo para vencer o medo é falar sobre o projeto, planejando de forma coletiva a nova cidade que pode nascer naqueles limites

Há pouco mais de um mês, os paranaenses têm uma causa em comum a abraçar: a pacificação da zona favelizada do bairro do Uberaba, um bolsão onde vivem 23 mil pessoas. A instalação ali da primeira Unidade Paraná Seguro, a UPS, tende a ser vista como uma ação exclusiva do Estado, a quem, no senso comum, cabe lavar a roupa suja e implantar políticas de segurança pública que nos permitam dormir em paz. Mas não há notícia, em qualquer parte, de programas do gênero que tenham obtido êxito sem o envolvimento da sociedade, esse termo genérico usado para se referir a mim e a você.

Passar da posição de observador para a de participante exige uma reviravolta na mentalidade, o que não se atinge com curso por correspondência. É preciso uma "educação pela pedra". Pudera. O avanço do crime organizado se tornou uma questão difícil demais para nossos parcos recursos de cidadania. Há vontade cívica, sim, mas não se percebe de uma hora para outra em que medida cada um pode somar seu quinhão no combate ao tráfico de drogas e a dívida social que provoca.

Com perdão ao clichê, o primeiro passo para pisar neste campo minado é a informação. Deve-se estar atento ao que acontece no Uberaba com a mesma intensidade com que se observam os avanços do mercado imobiliário ou os sobressaltos da mobilidade urbana, para citar dois assuntos que mexem com os nervos dos que habitam as cidades. Há pistas. Dispomos de estudos de caso em qualquer site de busca. Basta digitar palavras como "Diadema", "Brasilândia" e "Complexo do Alemão".

A segunda lição é destrinchar a complexidade da violência, tornando-a palatável. Como chegou a sugerir o antropólogo Luiz Eduardo Soares, um dos autores de A elite da tropa, basta fazer um exercício: imagine-se explicando a um estrangeiro o que é uma boca de fumo. O resultado é patético. Trata-se de uma loja, onde se vende droga, todo mundo sabe onde fica e quem comercializa, inclusive a polícia. Por que então não fechá-las por decreto?

A resposta vem a galope. O tráfico não se aproveita das zonas miseráveis da cidade apenas como endereço, mas como organismo. Desfruta das relações de vizinhança. Apropria-se dos serviços. Supre as carências do estado negligente. Daí a ação dos traficantes ser tão elástica: ela está imersa na banalidade cotidiana.

Anos atrás, em reportagem desta Gazeta do Povo, perguntou-se a garotos do Jardim Audi/União em que lugares de Curitiba costumavam ir. Nenhum dos entrevistados sabia dizer o nome de shoppings ou tampouco conheciam o bairro mais tradicional da capital, o Batel. Onde gostariam de morar? A resposta foi "Capão da Imbuia" e "Jardim Paranaense". Pois é – muitos moradores do Bolsão não se distanciam mais do que 5 quilômetros de sua casa, até porque são eles os mais vitimizados pelo medo. Eis o ponto em que estamos. Uma UPS até pode restabelecer a ordem e a paz, mas não pode sozinha abrir janelas com vistas para o mundo.

Para chegar a tanto é preciso encontrar outras saídas que não sejam apenas a da ocupação policial. É o caso da educação, um santo remédio para escancarar as janelas. A propósito, tanto quanto o tráfico, a ausência de políticas educacionais se tornou dos males o maior na região empobrecida do Uberaba.

Os moradores das 12 vilas que fazem parte do Uberaba de Baixo desfrutam dos piores índices de desenvolvimento humano que alguém possa desejar a seus inimigos. Em vilas como União, Icaraí, Audi, Primavera, Ferroviária, Alvorada mora uma gente jovem – 64% têm até 30 anos –, mas que apesar de todos os avanços do sistema de ensino anda bem longe da escola.

Quase 40% desses uberabenses têm até a 4ª série. Coincidência ou não, a taxa de desemprego goza da mesma porcentagem. O analfabetismo anda na casa dos 18% e analfabetismo funcional beirando 35%. Os números não mentem: a fragilidade educacional da região favoreceu a criminalidade. É assunto delicado, mas assunto do qual podemos falar com conhecimento de causa: a escola nos é mais íntima do que o crime. Sobre ela podemos arbitrar.

Tentemos. Levantemos sugestões. Mal não faria mandar para a zona da UPS os melhores professores da cidade, num programa inédito para todas as faixas etárias, do qual nos orgulharíamos. Não daria resultados imediatos, mas resultados para sempre. O fim da conversa, sabemos. De um lugar violento depois da linha do trem, o Bolsão seria simplesmente um lugar, do qual falaremos com sabedoria, sem medo de bicho-papão.

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