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Há muito tempo, a elevação do índice geral de preços não era notícia. Ou, pelo menos, não era notícia relevante e prioritária, pois o país havia conseguido, após duas décadas de inflação alta e crônica, domar o monstro da elevação persistente e generalizada dos preços. O Brasil vinha sentindo ameaças do processo inflacionário desde 1958, em razão dos excessivos gastos públicos, cujo recrudescimento se deu em 1964 e foi um dos marcos da crise econômica do governo João Goulart. Após esse período, houve alguns anos de redução e controle, mas a inflação voltou a subir em 1974, na esteira da crise do petróleo. Desde então, após vários planos fracassados, o Plano Real, lançado em julho de 1994, conseguiu acabar com a inflação crônica. A partir daí, a elevação dos preços manteve-se em níveis civilizados e a sociedade pode perceber as vantagens de viver com estabilidade da moeda.

Desde 1994 até o fim de 2009, o Brasil experimentou os dois principais benefícios de não ter inflação: o crescimento do Produto Interno Bruto e a melhoria na distribuição da renda. Isso levou a sociedade a adotar a estabilidade de preços como um valor fundamental e a desenvolver intolerância quanto à possibilidade de retorno da inflação. As coisas pareciam andar bem, até o surgimento de ameaças para a estabilidade, como a elevação dos preços internacionais das commodities, sobretudo alimentos, minérios e petróleo, e o excesso de gastos públicos nos dois últimos anos do governo Lula.

Quanto ao primeiro problema (a elevação dos preços das commodities), trata-se de fenômeno mundial, fora do controle e da responsabilidade das autoridades governamentais nacionais. Porém, em relação ao estouro dos gastos públicos, a culpa cabe única e exclusivamente ao governo brasileiro. Lula se defendia dizendo que a elevação dos gastos em 2009 deveu-se à crise financeira mundial, pois era necessário elevar a demanda agregada interna para evitar a recessão. Quanto ao estouro nas despesas em 2010, Lula silenciou, pois o governo não podia admitir motivos eleitorais para aumentar gastos. É praxe, no Brasil, que os gastos públicos sejam aumentados em ano de eleição e parece não haver dúvida de que o governo gastou demais com um olho na eleição de Dilma Rousseff.

Mesmo em relação a 2009, os argumentos de Lula são precários, porquanto a crise estourou em 2007, teve seu auge dramático em 2008, mas nos primeiros meses de 2009 já se sabia que a economia brasileira estava longe de sofrer danos elevados derivados da crise. O sistema financeiro brasileiro é pouco integrado ao sistema internacional, os bancos nacionais não costumam despejar montanhas de dinheiro em ativos financeiros estrangeiros e, por isso, o país não teve prejuízos bancários em face da crise financeira. O Brasil sofreu, sim, efeitos negativos, mas sem magnitude suficiente para prejudicar as bases da economia nacional. Os dois principais efeitos foram alguma redução nas exportações brasileiras por conta da queda na demanda externa e a interrupção do fluxo de crédito estrangeiro para financiar o comércio exterior brasileiro.

O fato é que a crise não era uma boa justificativa para elevações exageradas dos gastos públicos em 2009 e, muito menos, em 2010. Desde então, este jornal vem alertando para as consequências do abandono da austeridade fiscal, entre as quais a mais grave é o risco de elevação dos índices de inflação. Esse fenômeno já vem ocorrendo, conforme demonstra a elevação de todos os índices que medem a inflação. O IGP-DI (Índice Geral de Preços no conceito de disponibilidade interna, que exclui elevação dos preços dos produtos exportados) bateu a preocupante marca de 11,09% nos últimos doze meses. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o mais usado para medir a inflação, chegou a 6,51% nos últimos doze meses, superando, de longe, a meta do Banco Central (BC) para o ano, que é de 4,5%.

Esses indicadores representam médias aritméticas e sua distribuição provoca comportamento da população prejudicial para a inflação futura, porque alguns produtos tiveram aumentos de preços muito acima da média. É o caso, por exemplo, dos preços da gasolina e da carne que, ao subirem mais de 30% em um ano, plantam na mente do consumidor a ideia de uma inflação real maior do que os índices anunciados pelo governo. Os agentes econômicos não agem apenas com base em cálculos racionais. Existe um componente psicológico no comportamento dos consumidores, dos empresários e dos formadores de preços que pode, no seu conjunto, jogar a inflação para cima, caso comece a se espalhar a sensação de que existe um processo inflacionário em andamento. Inflação é como uma infecção. Não há como estabilizá-la em nível alto aplicando doses suaves de remédio. Ou se combate por completo ou ela cresce. O sinal vermelho já está aceso.

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