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Presidente Lula e Camilo Santana, ministro da Educação, durante a Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2024.
Presidente Lula e Camilo Santana, ministro da Educação, durante a Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2024.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A Câmara dos Deputados deve analisar, em breve, um projeto de lei complementar que, se aprovado, representará o fim do poder dos representantes eleitos sobre a educação brasileira, que estará entregue a colegiados de longuíssima tradição político-ideológica. O PLP 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Rede-PR) e que cria o Sistema Nacional de Educação, já passou pelo Senado; é relatado na Câmara por Idilvan Alencar (PDT-CE) e está pronto para ir ao plenário. No papel, ele é repleto de boas intenções; na prática, realizará o sonho dos militantes e será o pesadelo de pais e responsáveis que desejam ver as crianças educadas de acordo com os seus princípios, direito garantido por tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

Os objetivos são louváveis: “universalizar o acesso à educação básica de qualidade”, “erradicar o analfabetismo”, “valorizar os profissionais da educação” e outras frases do gênero. A forma como isso será buscado, no entanto – se é que realmente se trata disso –, vai de encontro a qualquer racionalidade na gestão de um serviço essencial como a educação. O SNE prevê uma hipercentralização em colegiados: a Comissão Intergestores Tripartite da Educação (Cite), federal, e as Comissões Intergestores Bipartites da Educação (Cibes), estaduais, que estabelecerão uma estrutura de poder paralelo superior às secretarias de Educação de estados e municípios, e superiores até mesmo ao próprio Ministério da Educação. Tais comissões, diz o PLP 235, “são os fóruns responsáveis por definir parâmetros, diretrizes educacionais e aspectos operacionais, administrativos e financeiros da cooperação federativa, com vistas à gestão coordenada da política educacional”, e poderão tomar decisões “das quais resultarem obrigações administrativas ou financeiras a ente federado”.

Com o Sistema Nacional de Educação, ainda que os eleitores escolham um programa de governo que tenha bons objetivos e queira implantar boas práticas em relação à educação, sua voz será abafada pelas obrigações impostas de cima

Formalmente, as comissões serão formadas majoritariamente por secretários estaduais e municipais de Educação, mas o SNE é desenhado para dar papel preponderante a outras instâncias, especialmente o Conselho Nacional de Educação e seus equivalentes estaduais e municipais – que, por exemplo, apontam todos os membros da futura Câmara de Apoio Normativo, uma das câmaras técnicas que a Cite precisará ter e cujo nome é autoexplicativo –, e o Fórum Nacional de Educação, que, entre outras atribuições, organiza as Conferências Nacionais de Educação. Todas essas entidades foram aparelhadas pela esquerda, que dá a essa área uma importância especial, como bem sabe qualquer um que tenha familiaridade com o pensamento de Antonio Gramsci.

O resultado dessa configuração é a redução ou, em alguns casos, mesmo a anulação das autonomias estaduais e municipais, que ficam com o ônus – pois bancam as respectivas redes de ensino – sem o bônus de poder decidir como geri-las em termos operacionais e educacionais, de acordo com as características e circunstâncias locais; o espírito do SNE, portanto, é diametralmente contrário ao de uma descentralização baseada no princípio da subsidiariedade. Mesmo que haja gestores não alinhados com a esquerda nos estados e municípios, eles acabarão tendo de se curvar à maioria – e mesmo um eventual governo federal não esquerdista terá as mãos atadas, ao menos parcialmente, graças à forma como o SNE deve funcionar. Ou seja, ainda que os eleitores escolham um programa de governo que tenha bons objetivos e queira implantar boas práticas em relação à educação, sua voz será abafada pelas obrigações impostas de cima.

Nesta reciclagem em que o antigo slogan “todo o poder aos sovietes” se transforma em “todo o poder às comissões e conselhos não eleitos”, o resultado não é difícil de prever: uma intensificação das correntes ideologizantes no ensino, em detrimento daqueles conteúdos básicos e fundamentais para crianças e adolescentes enfrentarem os desafios humanos e tecnológicos do presente e do futuro, e uma dificuldade ainda maior para que essa ideologização seja devidamente combatida. A cada ano, as universidades recebem milhares de jovens que estão devidamente doutrinados, mas são incapazes de fazer os cálculos ou compreender os textos necessários para avançar em seus estudos, sinal evidente de que há algo muito errado na educação brasileira – um problema que as entidades militantes não têm a menor preocupação em atacar, e que o SNE, da forma como está sendo desenhado, também não resolverá.

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