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Usando da figura do gigante, um gigolô da galinha dos olhos de ouro, os criminosos por trás do Sleeping Giants prostituem causas nobres para fins políticos.
Usando da figura do gigante, um gigolô da galinha dos olhos de ouro, os criminosos por trás do Sleeping Giants prostituem causas nobres para fins políticos.| Foto: Infografia Gazeta do Povo

“Liberdade para as ideias que detestamos”. Foi assim que o juiz da Suprema Corte americana Oliver Holmes Jr. se referiu, em 1929, ao que ele considerava o coração da liberdade de manifestação do pensamento. Defender o direito de expressão dos que pensam como nós é fácil; difícil é defender esse mesmo direito para os que discordam de nós, para os que têm opiniões que consideramos absurdas, para aqueles cujas ideias nós abominamos. O pluralismo é um valor fundamental em uma sociedade, e tanto a história quanto as distopias da literatura têm exemplos mais que suficientes do dano causado a diversas sociedades pela pretensão, estatal ou não, de impor pensamentos únicos. Pluralidade de ideias é algo pelo qual devemos lutar incansavelmente.

Mas isso não elimina o fato de que há ideias cuja defesa não nos cai bem. Não falamos, aqui, daquelas manifestações que a lei proíbe – a calúnia, a injúria, a difamação, o racismo e outras formas de discriminação, a incitação ao crime; para essas, temos o Ministério Público e a Justiça. Falamos de ideias e opiniões que, mesmo dentro da lei, muitos podem considerar repulsivas. Como reagir diante delas? Em primeiro lugar, ideias ruins são combatidas com ideias boas. Sempre que houver oportunidade, o bom, o belo e o justo precisam ser proclamados como contraponto poderoso à defesa daquilo que empobrece o ser humano. Se isso não bastar, há quem defenda também o boicote, um recurso lícito, desde que seja feito às claras, sem nenhum tipo de coerção ou chantagem, respeitando a liberdade dos demais que não desejem aderir, mas que também acaba sendo uma forma de abrir mão do poder da razão na busca de um entendimento.

As milícias virtuais realizam o sonho dos jacobinos do Terror pós-Revolução Francesa e dos juízes dos tribunais de fachada da União Soviética stalinista: conseguem, em pouquíssimas horas, acusar, julgar, condenar e executar a pena, sem dar a menor chance de o “cancelado” se defender

O que vem ocorrendo recentemente nos ambientes on-line, no entanto, ultrapassa de longe os limites da reação legítima a ideias das quais discordamos. A liberdade de expressão está sob ataque intenso, um ataque talvez mais grave que a antiga e sempre abominável censura estatal. Não exageramos quando chamamos de “milícias virtuais” os promotores da chamada “cultura do cancelamento” e de pressões anônimas sobre empresas. Eles não se contentam em simplesmente manifestar um descontentamento em relação a uma opinião que consideram ruim; seu objetivo é calar as manifestações das quais discordam, estimulando o espírito de manada ou escondendo a autoria do linchamento virtual por trás de nomes fantasia.

As milícias virtuais realizam o sonho dos jacobinos do Terror pós-Revolução Francesa e dos juízes dos tribunais de fachada da União Soviética stalinista: conseguem, em pouquíssimas horas – tal é a velocidade com que se disseminam as informações hoje –, acusar, julgar, condenar e executar a pena, sem dar a menor chance de o “cancelado” se defender. E, não satisfeitas, as milícias passam a mirar também toda a rede de contatos ou relacionamentos comerciais da vítima, criando “culpados por associação” e acuando-os até que se penitenciem publicamente de algo que jamais fizeram. Uma caça às bruxas que nunca tem fim.

Especialmente vil é a chantagem on-line anônima que busca intimidar anunciantes de veículos de comunicação, com o objetivo de sufocar economicamente as empresas de mídia caso elas não se curvem às demandas dos achacadores. Isso porque a imprensa é um dos locais por excelência da pluralidade de ideias, ao lado, por exemplo, do ambiente universitário. Essa pluralidade incomoda enormemente as milícias virtuais ideologizadas, que recorrem, então, à ameaça de estrangulamento econômico para restringir a variedade de opiniões. Se conseguem dobrar o veículo de comunicação, elas “cancelam” as ideias das quais discordam; se dobram os anunciantes, destroem a empresa de mídia, privando o público de todo um leque de opiniões, não apenas aquelas consideradas ilegítimas pelos chantagistas. É exatamente o que vem ocorrendo com esta Gazeta do Povo, alvo da mais recente investida do grupo anônimo Sleeping Giants, que cria um clima de intimidação sobre anunciantes do jornal para que encerrem suas parcerias após a Gazeta ter anunciado a manutenção de um colunista que o grupo gostaria de ver “cancelado”.

O anonimato no qual se esconde o Sleeping Giants é uma característica particular dos linchamentos virtuais de hoje; é a arma conveniente dos covardes para estimular os justiçamentos on-line e chantagear empresas. Essa estratégia já é um desrespeito à Constituição Federal, que, em seu artigo 5.º, IV, garante que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, mas ela é muito mais que uma simples ilegalidade: é uma perversidade, à medida que impede de antemão todo aquele processo de diálogo e convencimento que a boa razão exige diante das ideias das quais discordamos. O linchador anônimo não quer ser convencido, não quer ser encontrado, não quer nem mesmo ser identificado, só quer destruir e incentivar os demais a destruir, e não aceita o “não” como resposta. Protegido pelo anonimato, não se vê limitado por nada. O que lhe sobra em ousadia falta-lhe em caráter.

E por isso perguntamos: atitudes desse tipo merecem consideração? Nunca! Sabemos que indivíduos e empresas vítimas do assédio e da chantagem virtuais se preocupam (e precisam se preocupar) com a imagem que mostram à sociedade. É por isso que consideramos que as empresas chantageadas também são vítimas, mesmo quando cedem; mas ainda assim é preciso questionar: que mensagem estão passando aqueles que se submetem tão facilmente a movimentos de “cancelamento” que nada mais são que agressões escancaradas à liberdade de expressão? Como uma empresa espera poder resistir a novas pressões infundadas no futuro quando já recua na primeira investida que sofre, legitimando uma ação anônima que desrespeita até mesmo a Constituição? Ceder a esse tipo de movimento é estar adormecido quanto ao perigo que ele representa, é deixar as portas abertas à chantagem que nunca se cansa de pedir mais e mais, até conseguir a submissão completa. Indivíduos e empresas precisam decidir se querem mesmo fazer parte disso ou se desejam encarar o tema da liberdade de expressão às claras, rejeitando assediadores anônimos que não têm a menor disposição em construir nada, contentando-se apenas com terra arrasada, pulando de alvo em alvo, até se voltarem também contra os que um dia cederam ou participaram dos linchamentos virtuais de outrora. Ou resistimos, ou sofreremos todos diante da perversidade anônima que deseja impor à sociedade uma única voz: a própria.

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