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Agora é que são elas. A soma de dados policiais com informações levantadas em audiências públicas nos bairros aponta que pelo menos 98 gangues juvenis atuam em Curitiba. O número é de dar tremeliques. Há 75 bairros na capital, em tese pelo menos um bando para cada área e mais 23 na reserva, em caso de qualquer eventualidade. Para quem já tem problemas de sobra, como trânsito na Visconde, rottweilers cuidando de obras e contas a pagar, é o que basta para gritar "polícia".

A palavra gangue pertence a uma categoria informal da língua portuguesa – a dos vocábulos traiçoeiros. O sentimento que gera é dúbio. À revelia do perigo que sugere, é capaz de evocar imagens de puro efeito estético, feito James Dean ou Marlon Brando de jaqueta de couro, fazendo cara-de-mau em algum filme de época. Além do mais, tem lá sua sedução, como mostrou a banda Blitz, na década de 80, ao emplacar o sucesso "Greg e sua gangue".

Naquele tempo, o Brasil não era um noviço em termos de marginalidade, mas a canção podia ser cantada em coro por criancinhas de uniforme azul-marinho. Mal não fazia. Uma frase da letra, no entanto, ressoa ainda hoje como um prenúncio de que a juventude transviada não era uma invenção de Hollywood – "[Greg e os seus] já esperaram demais vivendo a vida ao contrário". Eis a questão.

Como mostrou a reportagem sobre gangues, de autoria dos jornalistas Mauri König e Adriana Czelusniak – publicada pela Gazeta do Povo no último domingo –, a gangsterização juvenil pode realmente ser nuvem passageira, expressão de uma etapa de auto-afirmação, uma bobagem dos verdes anos. Tanto é que, segundo os especialistas ouvidos para a matéria, não há relação de causa e efeito entre pertencer a uma patota de bairro e estagiar no crime organizado, por mais que muitas comunidades quakers se apressem em condenar a moçada.

Mas gangues também são resultado de "vidas vividas ao contrário", como diz a música, o que qualquer pessoa que acompanhe minimamente o noticiário pode imaginar do que se trate. Há políticas públicas, sim, voltadas para o jovem. O Paraná, por exemplo, tem a única secretaria de estado no Brasil devotada à juventude; há fumaças de programas na prefeitura e projetos federais, como o Pró-Jovem Urbano. Mas está longe o dia em que se poderá dizer que se tem uma sociedade organizada em torno dos jovens. Resta, a muitos deles, viver do avesso.

As gangues são uma resposta a esse negação de direito – ao pouco-caso federal que lança jovens ao desemprego, baixa qualificação e abandono. Parte do problema começa já na rua, lugar em que poderiam encontrar a redenção de suas penas.

No primeiro semestre deste ano, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) lançou o documento "A Regional Desejada", feito com a ajuda da população. Tirando algumas imprecisões numéricas – contestadas dentro da própria prefeitura – o trabalho é uma das melhores radiografias já feitas da cidade. Por ele, pode-se saber das áreas verdes, das ocupações irregulares, das escolas, unidades de saúde. E das gangues.

Uma das informações que mais chamam atenção no documento é a quantidade de bandos apavorando nas regionais. Pelo que tudo indica, os grupos foram identificados com a ajuda da polícia, mas com uma mãozinha dos próprios moradores, assustados com as galerinhas, cujos propósitos não é fazer serenata para as moças bonitas.

Ora, a mesma população que ajudou a contabilizar a marginalidade juvenil também deveria ajudar a achar respostas para o problema. Nenhuma política para a juventude pode abrir mão de parentes e vizinhos, de modo a fazer do assunto uma preocupação tão importante quanto a necessidade de trincheiras ou viadutos. Mas, cá entre nós, a má vontade com os mais jovens impera. Sabe-se tudo sobre eles. Só resta querer saber deles. Agora é que são elas.

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