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Nos três últimos anos, imprensa e institutos de pesquisa serviram um banquete de informações sobre os brasileiros da Classe C. A importância dos dados, contudo, não reside apenas na descrição detalhada sobre o gosto dos mais pobres – gosto que era já um velho conhecido, servido de bandeja nos programas de auditório, nas rádios AM, nas seitas de ocasião e nos jornais sanguinolentos.

O mérito de tanta porcentagem junta está no momento estratégico em que saiu das gavetas – bem na hora em que o Brasil da base da pirâmide fez contato. Não foi nenhuma odisseia no espaço. Foi pedreira. Ao investir em políticas de divisão e geração de renda, o atual governo gerou cadastros, dados, planilhas e colocou na berlinda a turma que ganha pouco, mora longe e que faz promessa aos anjos e santos de Deus.

O resultado do "aluvião estatístico" é que os pobres se despedem do papel de imensa massa falida, tão desfigurada e indefesa quanto um retirante dos quadros de Portinari. Ao contrário, ressurgem potentes, criativas, ofuscando as elites cansadas de guerra, hoje pálidas como um soneto.

A ascensão moral, estética e financeira da periferia, contudo, não é uma conversa de ponto de ônibus e tchau, mas anúncio da aurora de um país mais maduro, disposto a uma revolta nas mentalidades. E está para nascer mudança mais difícil do que essa.

A Classe C e suas adjacentes precisa ser observada, agora, não apenas por sua instrução frágil, mas na sua maneira de consumir. Também precisa ser valorizada como categoria pensante, com capacidade de desatar os nós dos problemas. Ou seja – no bojo do Brasil da pindaíba podem estar sendo geradas organizações e métodos para o Brasil próspero.

Há quem duvide. O brasileiro bem-nascido ainda en­­tende que a turma da dureza é um amontoado de gente que se encontra em transição entre o bailão do bairro, o passeio no shopping e o próximo voo para Paris. Ou seja – o mo­­desto cidadão é pensado à imagem e semelhança dos médios e ricos, aos quais, caso se esforce ou tenha sorte, poderá se equiparar.

É aí que mora o perigo. Os códigos das classes C, D e E não são os mesmos do que os das classes A e B. Parece óbvio. Mas resta o medo. A valorização ostensiva do modus vivendi da clas­­se popular pode equivaler a abrir mão dos ideários democráticos, comportamentais e sociais defendidos pelos que estudaram mais. Quem estaria ganhando ponto dessa conta seria a barbárie, o retrocesso, o consenso e a mediocridade.

Pode acontecer, claro, se os menos favorecidos forem valorizados por seu individualismo, desprezo pelo conhecimento, desconfiança da coisa pública e crença irrestrita na informalidade. Um estudo como o do sociólogo Alberto Carlos de Almeida, o definitivo A cabeça do brasileiro (Ed. Re­­cord, 2007) aponta para esse risco.

Sua pesquisa prova que a pouca exposição à escola perpetua o familismo, estatismo e fatalismo, entre outras mentalidades que podem até funcionar dramaturgicamente numa novela regionalista, e só. O misto de conformismo com desconfiança que grassa entre os mais humildes não pode ser entendido como traços do caráter nacional, mas como uma quiçaça a ser varrida da história.

O resto é mar. Os dados de hoje em dia permitem enxergar melhor as classes populares. A informação é um elixir contra o obscurantismo. É uma ótima notícia. Que venha o abecedê.

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