
Ao longo dos últimos dias, o presidente norte-americano, Donald Trump, começou a enviar cartas a chefes de governo mundo afora, comunicando-os sobre novas tarifas que substituirão os atuais 10% caso não se chegue a acordos comerciais até 1.º de agosto. Na quarta-feira, Trump publicou sua carta ao brasileiro Lula, impondo ao Brasil a maior tarifa desta rodada até o momento: as importações de produtos brasileiros serão taxadas em 50%. Mas o principal argumento do norte-americano não tem relação alguma com fatores econômicos, e sim com a deterioração das liberdades no Brasil.
Enquanto as cartas enviadas a outros países seguem um roteiro bastante padronizado, o texto enviado a Lula começa de forma diferente, com Trump repetindo as críticas feitas anteriormente ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tramar um golpe de Estado. “A forma como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve terminar IMEDIATAMENTE!”, disse Trump. Em seguida, menciona ataques à liberdade de expressão de norte-americanos e cita especificamente o Supremo Tribunal Federal, que “emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídia social”. Por fim, anuncia a tarifa de 50% e retoma o estilo padronizado das demais cartas.
É preciso dizer que Trump tem toda a razão quando afirma que está em curso uma “caça às bruxas” no Brasil. O processo contra Bolsonaro, já afirmamos aqui, se baseia em premissas muito frágeis, e o ex-presidente está longe de ser a única vítima de arbítrio. Centenas de brasileiros têm sido privados da liberdade devido ao 8 de janeiro, sem que a acusação comprovasse um único crime de fato cometido pelos réus. Também é verdade que as ordens de censura emitidas por Alexandre de Moraes são secretas e ilegais – e percebe-se que Trump não se esqueceu do abusivo bloqueio do X, que durou mais de um mês e também foi decidido por Moraes em 2024. O norte-americano expôs os arbítrios do Supremo de forma muito mais contundente que a maioria dos brasileiros.
Trump tem toda a razão quando afirma que está em curso uma “caça às bruxas” no Brasil
Lula, obviamente, também não ajuda em nada a construir um bom relacionamento com os Estados Unidos. Antes da eleição vencida por Trump, em novembro do ano passado, o petista insinuou que o triunfo do republicano seria “o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara”. Lula não perde uma chance de manifestar seu antiamericanismo de DCE, e apoia com gosto a transformação dos Brics em um grupo destinado a fazer oposição aos Estados Unidos e ao Ocidente democrático no cenário internacional. A mais recente declaração de líderes, aprovada na cúpula dos Brics recém-encerrada no Rio de Janeiro, está repleta de indiretas a diversas ações dos EUA, do “tarifaço” ao ataque a instalações nucleares do Irã.
Quando do primeiro anúncio do “tarifaço” de Trump, em abril, manifestamos nossas reservas à maneira voluntarista como o presidente norte-americano conduz as relações comerciais dos Estados Unidos com resto do mundo. O livre comércio sempre foi a melhor maneira de fomentar a construção de riqueza entre as nações, enquanto o protecionismo costuma ter consequências severas, como inflação, perda de competitividade, disrupção de cadeias produtivas globais e esgarçamento de relações entre países. Até mesmo o argumento de que as tarifas fortalecerão a indústria local e ao mesmo tempo aumentarão a arrecadação, possibilitando a redução de impostos internos, é bastante questionável, como também já demonstramos. Mas o recente caso da tarifa imposta ao Brasil exige uma reflexão adicional.
A decisão de Trump, pelos motivos invocados, se assemelha mais a uma sanção que a uma tarifa propriamente dita. Tarifas servem para compensar práticas comerciais desleais, como forma de política industrial, ou para regular o fluxo comercial entre duas nações. Sanções são punições aplicadas por violações de direitos humanos ou agressões à democracia. Trump até menciona a balança comercial entre os dois países – que desde 2009 é sempre superavitária em favor dos EUA, ao contrário do que diz o presidente norte-americano ao mencionar “déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos” –, mas o fato de iniciar a carta citando o processo contra Bolsonaro e as decisões de censura do STF evidencia o caráter político da decisão sobre a tarifa de 50%.
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No entanto, a prática corrente da aplicação de sanções faz com que elas costumem ser direcionadas aos indivíduos que cometem os atos condenáveis, ou a empresas associadas a um regime violador de direitos, mas não a um país inteiro. Um exemplo é o da Venezuela: os Estados Unidos já sancionaram diversas autoridades e militares bolivarianos, responsáveis pela repressão ao povo venezuelano, e também aplicaram penalidades contra a estatal de petróleo PDVSA, que enriquecia o regime de Nicolás Maduro ao negociar com empresas norte-americanas. A lógica é bastante sensata: o objetivo da sanção não é punir a população de um país, e sim as pessoas físicas e jurídicas por trás de regimes autoritários.
E por isso Trump escolheu o pior meio possível para pressionar os liberticidas brasileiros. Em vez de sancionar diretamente os responsáveis pela censura e pela caça às bruxas – por exemplo, revogando vistos ou congelando recursos de ministros do Supremo ou do procurador-geral da República, ou mirando empresas notoriamente próximas do petismo –, o presidente norte-americano puniu todo o setor produtivo do país. Com acesso reduzido ao mercado dos Estados Unidos por causa da nova tarifa, a indústria e o agronegócio brasileiros correm grande risco de sofrer enormes prejuízos, independentemente das convicções político-ideológicas de empresários e funcionários. Enquanto isso, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e quem mais for visto como violador de liberdades aos olhos norte-americanos não sofrerão nenhuma grande consequência.
Os brasileiros genuinamente preocupados com as perseguições judiciais e o apagão da liberdade de expressão podem até esperar que as tarifas sejam a gota d’água que levem a uma reação interna capaz de finalmente encerrar o nosso estado de exceção, mas a experiência mostra ser improvável que isso nos leve a algum lugar. O “quanto pior, melhor” nunca foi a estratégia de quem se importa com o Brasil, mas sempre foi a opção da esquerda – basta ver como Lula e o PT escolheram, em vez da negociação, o confronto, possivelmente deteriorando ainda mais as relações bilaterais. Trump pode até querer fazer a coisa certa no caso do Brasil, mas definitivamente escolheu o meio errado, um que punirá ainda mais uma nação já bastante agredida por seus governantes e magistrados.



