O presidente Michel Temer está perdendo mais uma oportunidade para desfazer a ideia de que seu governo, no que diz respeito à probidade de seus membros, não difere muito daquele que foi cassado em agosto – em outras palavras, que lhe faltariam alicerces sustentados em valores éticos, morais e sociais. As leis permitem ao presidente da República não demitir ministros sobre os quais pesam suspeitas de má conduta, mas, ao manter tais pessoas no governo, o mandatário corrói perigosamente seu poder-dever de conduzir o país de acordo com aqueles valores fundamentais. Dessa forma, esvaem-se, além da legitimidade, também a respeitabilidade e a autoridade indispensáveis ao exercício de chefe da nação.
Temer incorre mais uma vez neste perigo ao manter Geddel Vieira Lima no cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo. O peemedebista está claramente envolvido em um caso de tráfico de influência – ou, para usar um eufemismo aplicável, de “advocacia administrativa em favor de interesse pessoal”. Naquela daninha confusão entre público e privado que caracteriza a ação de tantos políticos brasileiros, Geddel pressionou o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para que este anulasse o embargo do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) à construção de um edifício de luxo de 33 andares em área histórica de Salvador, no qual Geddel é proprietário de apartamento em andar alto. Calero pediu demissão; preferiu preservar a própria dignidade a se submeter à pressão imoral e patrimonialista de Geddel.
A continuidade da presença de Geddel no gabinete atinge a Presidência da República e tira-lhe autoridade moral
Integrante do “núcleo duro” que cerca o presidente Temer, Geddel é considerado indispensável e eficiente articulador político do governo, principalmente para manter a fidelidade da base aliada. Sabe lidar não apenas com seus interesses pessoais, mas também com interesses mútuos – daí o imediato movimento das principais lideranças do Congresso para defender sua permanência no cargo. Elas classificaram o ato do ministro como “inadequado”, mas “pequeno” e “paroquial” em relação aos “enormes problemas nacionais”.
Este precário entendimento dos congressistas se antecipa até à Comissão de Ética da Presidência (que resolveu investigar Geddel, embora dela não se possa esperar muito) e dá força a Temer para insistir na decisão de manter-se em má companhia – um vício de que se mostrou dependente desde os primeiros dias de seu governo, quando nomeou para o ministério outros notórios políticos envolvidos no que há de pior na República. Diante de denúncias contra o senador Romero Jucá, nomeado para o ministério do Planejamento, e contra o ex-deputado Henrique Alves, do Turismo – ambos envolvidos na Lava Jato –, o presidente resistiu o quanto pôde em afastá-los. Oficialmente, eles deixaram seus cargos por motivos pessoais.
Não demorou muito, porém, para que Jucá – que, ao ser flagrado pedindo um “grande acordo nacional” para “estancar a sangria” causada pela Lava Jato, tornou-se o mais emblemático personagem do pacote de imprudências do presidente – fosse designado líder do governo no Congresso, onde certamente exerce o mesmo papel de “articulador” que lhe caberia se no Planejamento tivesse permanecido.
A continuidade da presença de Geddel no gabinete, diante das suas confessadas “ponderações” que fez ao ex-colega da Cultura para defender um interesse pessoal tão peculiar, atinge a Presidência, tira-lhe autoridade moral e, consequentemente, a legitimidade para atuar em tantos outros casos não “pequenos” e nem “paroquiais” que têm sido causa dos “enormes problemas nacionais”. É um preço alto demais a ser pago pela tal “governabilidade”, embora Temer não se dê conta disso.
Diante da miríade de escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, o país não aceita mais esse tipo de comportamento praticado por Geddel Vieira Lima. Mas Temer e os demais que defendem a permanência do ministro não parecem demonstrar a mesma intolerância, barulhenta ou silenciosa, que emerge da opinião pública nacional.