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Há alguns dias, em decorrência da Ação Direta de In­­cons­­titu­­cionalidade (ADI) 4.451, proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, confirmaram anterior liminar concedida pelo ministro Ayres Britto e, assim, suspenderam a eficácia de dispositivos da Lei n.º 9.504/1997, que vedavam, às emissoras de rádio e televisão: a) a veiculação de programas humorísticos que pudessem degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação; e b) a emissão de opinião favorável ou contrária a candidato, partido político, coligação, a seus órgãos ou representantes.

Dizia o texto da lei: "Art. 45. A partir de 1.º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: ... II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes;...".

Com a decisão do STF, então, restou suspensa a eficácia do inciso II, na sua integralidade, bem como a eficácia da parte final do inciso III.

Durante o julgamento, o ministro Ayres Britto, relator da ADI, lembrou das normas garantidoras da liberdade de expressão e da manifestação do pensamento, contidas no artigo 5.º, da Constituição Federal e, ainda, destacou a força do artigo 220, também da Carta Política de 1988, que assim dispõe: "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

A decisão foi bastante elogiada e aplaudida nos mais diversos âmbitos e pelas mais diversas pessoas e instituições. Opiniões sempre muito similares e alinhadas em prol da liberdade de expressão, da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa.

Pois bem, mesmo diante de algo que realmente parece muito óbvio e mesmo diante de tamanha unanimidade, ousamos apresentar neste espaço algumas reflexões. E a primeira delas é a seguinte: a decisão do STF foi mesmo a mais acertada?

Será mesmo que, nos casos de emissoras de rádio e de televisão, permissionárias e concessionárias de serviços de radiodifusão – sujeitas, portanto, a um regime totalmente diverso ao aplicável aos jornais impressos, à internet, etc. –, não poderia a lei, em anos eleitorais, estabelecer algumas restrições à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, no intuito de enfatizar e de fazer prevalecer, neste caso, o também fundamental e constitucional princípio da igualdade?

Frutos de intensos debates e discussões, os dispositivos combatidos vigoravam desde outubro de 1997, ou seja, havia quase 13 anos. Apenas agora, mais de uma década depois, identificamos essas tão claras e indiscutíveis inconstitucionalidades?

Ora, com tais questionamentos, não estamos aqui necessariamente a criticar a decisão do STF. Entendemos apenas que o assunto é muito mais complexo do que se faz parecer.

O que nos preocupa é a falta de discussão e as conclusões quase que absolutamente uniformes. Preocupa-nos a possibilidade de tratarmos um assunto como esse, de extrema relevância, de uma forma demasiadamente simplista.

Preocupa-nos a possibilidade de se repetirem análises superficiais que redundaram, por exemplo, na decisão pelo julgamento "em bloco" da Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250/1967) e, consequentemente, com a sua completa e integral derrubada. Uma decisão que, sob os mesmos importantes argumentos fundados na liberdade de expressão, na liberdade de manifestação do pensamento e na liberdade de imprensa, parece-nos ter sido desfavorável à sociedade e ao Estado Democrático de Direito em, no mínimo, três aspectos: a) no desaparecimento do art. 27, da Lei n.º 5.250/1967, o qual apresentava alguns balizadores e estabelecia que não constituiriam abusos a opinião desfavorável da crítica literária, artística, científica ou desportiva; a divulgação e a crítica a atos do Poder Legislativo; a divulgação de atos praticados em juízo; a divulgação e a crítica a atos e decisões do Poder Executivo; a crítica a leis; a crítica inspirada no interesse público; e a exposição de doutrina ou ideia; b) na ausência de um claro regramento para exercício do direito de resposta; e c) no desaparecimento da previsão de que crimes praticados por meio da imprensa, principalmente os crimes contra a honra, seriam apenados de forma mais severa do que daquela prevista no Código Penal, haja vista que, por exemplo, uma calúnia perpetrada em uma reunião de negócios, na presença de duas ou três pessoas, evidentemente não tem o mesmo impacto do que uma calúnia praticada por meio da imprensa, com repercussão direta para dezenas de milhares ou milhões de pessoas.

Por isso, repetimos: não estamos aqui, necessariamente, a criticar o resultado final da decisão do STF, até mesmo porque, como bem lembrou a ministra Ellen Gracie, a vedação contida no inciso IV, do artigo 45, da Lei n.º 9.504/1997 ("... IV – dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação;..."), pode mesmo ser suficiente para resolver eventual "conflito" entre a liberdade de expressão e a igualdade de tratamento entre os candidatos. Todavia, como já afirmamos, é preciso reconhecer que o assunto é muito mais complexo do que se fez parecer nas últimas semanas.

Diante disso, as derradeiras reflexões que ousamos propor são as seguintes: com as recentes decisões do STF – tanto a que determinou a queda "em bloco" da Lei de Imprensa, quanto essa, que, mais recentemente, eliminou restrições anteriormente aplicáveis às emissoras de rádio e de televisão –, estamos todos hoje, cidadãos e sociedade, mais ou menos protegidos? Temos mais ou menos liberdade?

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