Numa atitude avessa a qualquer discurso de transparência, a Assembleia Legislativa do Paraná impediu na semana passada que repórteres da Gazeta do Povo pudessem circular pelas dependências administrativas da Casa. A equipe de reportagem foi barrada, por ordem do diretor-geral da Assembleia, Eron Abboud, enquanto investigava denúncias de funcionários fantasmas no Legislativo paranaense. A decisão acabou de vez com a encenação de que a Assembleia pretende ser transparente e prestar contas à sociedade, como se esperaria em um Estado republicano. Com o ato arbitrário de impedir o acesso da reportagem, dificultando que a imprensa cumpra seu papel, o Legislativo mostra que continua a resistir à fiscalização da sociedade, além de sugerir que irregularidades podem continuar a estar ocorrendo na Assembleia. Do contrário, por que barrar o acesso da imprensa?
As justificativas dadas pela Assembleia para barrar o trabalho de jornalistas no setor administrativo são completamente inconsistentes. Segundo funcionários da Casa, cabos eleitorais estariam fazendo campanha e pedindo votos a servidores, como se o Legislativo fosse um importante colégio eleitoral a ser disputado por candidatos. Um segundo argumento é que algumas pessoas estariam se passando por jornalistas para ter livre acesso às dependências da Assembleia, algo que, por si só, não justifica barrar repórteres devidamente identificados. Outro argumento usado é que os servidores seriam proibidos de dar entrevistas, o que é uma meia-verdade, já que o Estatuto dos Servidores Públicos do Paraná impede somente que funcionários divulguem informações sigilosas.
Há uma clara intenção de blindar o Legislativo contra a fiscalização que vem sendo feita pela imprensa. A administração da Assembleia Legislativa é alvo de denúncias desde março deste ano. É justamente no setor administrativo da Casa que surgiu o escândalo dos Diários Secretos, uma série de reportagens da Gazeta do Povo e da RPC TV que revelou a existência de funcionários fantasmas e de salários acima do teto constitucional. Da mesma forma, é do setor administrativo da Casa que sumiram os diários oficiais, que deveriam estar disponíveis e arquivados para a consulta de qualquer cidadão.
Os Legislativos dos principais estados brasileiros dão acesso livre à imprensa. É assim em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. É também livre o acesso de jornalistas ao Senado e à Câmara dos Deputados. Um estado da importância do Paraná não deveria ir na contramão dos princípios do Estado Democrático de Direito, que estabelece a transparência pública como um direito do cidadão.
Em última instância, a atitude da Assembleia é uma violação ao direito da sociedade de poder fiscalizar por si própria os atos da administração pública. Lembre-se de que, não fosse a atuação da imprensa em publicar a série de reportagens Diários Secretos, poucos subsídios teriam os órgãos fiscalizadores oficiais, entre eles o Ministério Público, para dar seguimento a investigações a fim de processar e punir os culpados por desvios de mais de R$ 100 milhões, segundo estimativas do próprio MP.
A imprensa investigativa detém características muito diferentes da atuação dos órgãos oficiais, o que lhe dá flexibilidade para investigar e que tem se mostrado determinante para a fiscalização do poder público. Nesse sentido, barrar a entrada de repórteres no setor administrativo da Assembleia é uma tentativa de impedir que a sociedade possa fiscalizar a cada vez menos Casa do Povo. Ao mesmo tempo, é constrangedor que expedientes dessa natureza sejam usados para limitar a atuação da imprensa paranaense. Espera-se que tal atitude venha a ser revista pela direção da Assembleia Legislativa. Do contrário, passaremos a viver num quadro de anormalidade, em que um Poder do estado, tenta, com fundamentos inconsistentes, reduzir a fiscalização sobre si próprio.
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