A Justiça Eleitoral acaba de criar mais uma categoria de informação que justifica censura e outras ações desproporcionais, mas que não está descrita em nenhuma lei eleitoral ou penal. Depois da “propaganda eleitoral negativa antecipada” e das fake news, agora temos também a “desordem informacional”. O conceito foi inaugurado durante julgamento no plenário do Tribunal Superior Eleitoral que ordenou a remoção de um vídeo da produtora Brasil Paralelo publicado no Twitter. Considerando o resultado do julgamento e os argumentos apresentados, poderíamos definir “desordem informacional” – e a definição é nossa, pois é improvável que os autores da expressão a entendam assim – como uma série de informações cuja veracidade é incontestável, mas que levam a conclusões indesejadas.
Pois é justamente disso que se trata. No vídeo agora censurado, e que nem é produção recente (é datado de cinco anos atrás), a Brasil Paralelo reuniu reportagens jornalísticas sobre escândalos de corrupção ocorridos durante a passagem de Lula pelo Planalto, como o mensalão, os dólares na cueca e a máfia dos sanguessugas – que teve como desdobramento o escândalo do dossiê falso contra o tucano José Serra, que disputava o governo paulista em 2006 contra o petista Aloizio Mercadante. Tudo completamente verdadeiro, sem fakes, a ponto de o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ter negado o pedido de remoção feito pelos advogados do PT. “Embora o vídeo revele conteúdo negativo em relação a partido político e candidato da coligação representante, inegável a natureza artística e informativa do material publicado [...] A publicidade não transmite, como alegado, informação gravemente descontextualizada ou suportada por fatos sabidamente inverídicos”, afirmou o ministro ao negar liminar, posição que reafirmou no julgamento em plenário – uma postura digna de nota, já que foi o mesmo Sanseverino quem ordenou censura a dezenas de tweets (inclusive desta Gazeta do Povo) sobre o igualmente verdadeiro apoio de Lula ao ditador Daniel Ortega, da Nicarágua.
Se os tribunais superiores já haviam perdido completamente o senso de proporção no alegado combate às fake news, agora as news já não precisam nem ser fake para que sejam banidas
Coube aos integrantes do TSE oriundos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a missão de formar maioria contra o relator quando já se contavam mais dois votos contrários à censura. “Estamos diante de fenômeno novo, que vai além das fake news. O cidadão comum não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional”, afirmou Ricardo Lewandowski, em tom paternalista, sendo seguido por Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves (aquele que proibira o uso das imagens do Sete de Setembro por Jair Bolsonaro).
O desempate caberia ao presidente da corte, Alexandre de Moraes. Quem prevaleceria? O Alexandre de Moraes que dissera, em sua posse, que “a livre circulação de ideias, de pensamentos, de opiniões, de críticas, essa livre circulação visa a fortalecer o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima”? Ou aquele que, mesmo admitindo não haver provas contra a chapa vencedora em 2018, garantiu que “sabemos o que ocorreu. Sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra”, e que “as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil”? Para a surpresa de ninguém, mais uma vez o discurso de posse ficou no esquecimento. Ao falar de modalidades de desinformação, Moraes disse que “a primeira é a manipulação, como no caso em concreto. Você junta várias informações verdadeiras e aí traz uma conclusão falsa”, selando o resultado que consagrava a censura.
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Que “conclusão falsa” é essa, impossível saber. Os advogados do petista alegam que a “desinformação” estaria no fato de Lula não ter sido investigado nem acusado nos escândalos citados no vídeo – mas a Brasil Paralelo também não afirma isso. E Lula não disputa a Presidência como representante única e exclusivamente de si mesmo; ele o faz na qualidade de candidato do Partido dos Trabalhadores, e a legenda, sim, foi a protagonista inegável dos escândalos. O PT defendeu, exaltou e segue exaltando como “guerreiros do povo brasileiro” aqueles que efetivamente foram acusados e condenados. Não há falsidade nem descontextualização alguma em lembrar o brasileiro de que é este partido que retornaria ao poder com Lula caso ele vença o segundo turno.
O que o TSE acaba de decidir é que até mesmo informações verdadeiras podem ser censuradas se guiarem o eleitor – este ser que não sabe raciocinar por conta própria, a julgar pelas palavras de Lewandowski – a tirar conclusões negativas a respeito de algo ou alguém. É como se um quebra-cabeça, ao se juntar as peças, resultasse em uma imagem final desagradável, e por isso devesse ter sua venda proibida ou ter os contornos de suas peças alterados para que não se encaixem mais umas nas outras e não permitam formar cena alguma. Se os tribunais superiores já haviam perdido completamente o senso de proporção no alegado combate às fake news, agora as news já não precisam nem ser fake para que sejam banidas. Tudo, claro, em nome da “democracia”...
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