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A reforma política que o Congresso Nacional se recusa a fazer está sendo feita pelo Poder Judiciário. Em pouco mais de uma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram extirpar do cenário um dos mais execráveis vícios da prática política brasileira – o troca-troca partidário a que se davam os eleitos para qualquer cargo, normalmente ao sabor das conveniências pessoais. A partir de agora a regra ficou clara: todos os que abandonarem a legenda pela qual conquistaram seus mandatos cometem ato de infidelidade partidária punível com a perda do mandato.

Há dez dias, o Supremo Tribunal Federal (STF), em memorável julgamento de mandados de segurança impetrados por partidos que pretendiam recuperar as cadeiras de deputados que lhes foram infiéis, estabeleceu a norma geral de que os mandatos pertencem às agremiações e não aos eleitos. Até então, decisão do STF valia apenas para os eleitos em pleitos proporcionais, mas na última terça-feira o TSE, por unanimidade, estendeu tal entendimento também aos eleitos para cargos majoritários – do presidente da República aos prefeitos municipais, passando por senadores e governadores.

Sem dúvida, trata-se de um considerável avanço na medida em que, pelo menos teoricamente, tenderá a pôr fim ao fisiologismo explícito e tão comum no país desde que os partidos perderam sua identidade doutrinária ou programática. E o fisiologismo, todos sabemos, é o berço fecundo onde nascem os mensalões, as emendas orçamentárias paroquiais ou a distribuição de cargos e vantagens, expedientes que se têm mostrado eficazes para convencer parlamentares a trocar de sigla. "Convencidos" por tais instrumentos, não poucos políticos preferem libertar-se das eventuais amarras que lhes são impostas pelos partidos originais e correm para qualquer outro que, sendo dócil e comprometido com os interesses do governo, lhes garanta as benesses próprias da proximidade com o poder e suas verbas.

Salvo honrosas exceções, protagonizadas por políticos sérios que buscam a mudança por não concordar com o comportamento das direções ou com a traição aos princípios partidários, são de todo condenáveis a motivação e a freqüência com que se repetem os episódios de infidelidade. Entretanto, muito embora ponha um paradeiro a esta situação e contribua para o fortalecimento e para a necessária coerência dos partidos, o entendimento do Judiciário não supre todas as deficiências do sistema político-eleitoral brasileiro.

Só a imposição da fidelidade não basta para caracterizar uma verdadeira reforma. A ela precisam ainda ser agregados outros quesitos essenciais para dar legitimidade e representatividade aos mandatos eletivos – dentre os quais se destacam o voto distrital misto, a regulamentação das cláusulas de barreira para inibir a multiplicação de legendas de aluguel e a distribuição das vagas congressuais em exata proporção com a população dos estados, já que ainda hoje vige a artificialidade criada pelo regime militar, pela qual o número de parlamentares representantes de estados diminutos supera proporcionalmente o de unidades bem mais populosas.

Completar a reforma política é urgente e caberá ao Congresso apressá-la. Estamos certos de que, com a vitória do conceito da fidelidade agora referendada pelas cortes judiciais, esta tarefa ficou facilitada.

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