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A confirmação de que Curitiba vai ter sua primeira linha de metrô provocou uma reação curiosa na população – a chorumela em cadeia. O efeito é parecido ao dos membros de uma família que se perguntam por que comprar um carro último tipo quando o telhado está avariado e as portas da casa em petição de miséria. Muitas ficam com o carro e as goteiras, sabe-se.

Em matéria recente da Gazeta do Povo, assinada pelo jornalista Vinícius Boreki, explorou-se o que se chama, no jargão, "um clássico" do jornalismo – os buracos que pipocam nos 4,5 mil quilômetros de ruas da cidade. Todo mundo conhece de perto pelo menos uma dezena. E dezenas de cartas de leitores fizeram coro com o levantamento, citando o endereço em que se encontram muitas dessas crateras lunares que podem ser observadas sem telescópio da Nasa. Rara a mensagem que não aproveitou a deixa para lamentar "tanto dinheiro a ser desperdiçado no metrô, que bem poderia ser usado no asfaltamento e recapagem".

O raciocínio sobre a buraqueira pode ser aplicado a outros setores da vida urbana. A dinheirama federal do futuro trem – R$ 1 bilhão – poderia ser de alguma maneira aplicada nas unidades de saúde, na reforma das escolas municipais, na melhoria das nossas calçadas projetadas para seres flutuantes, na aplicação sincera e produtiva de ciclofaixas, na arborização da desértica e feiosa Cidade Industrial de Curitiba. Somem-se as hortas de orgânicos e as praças. Sem falar no próprio transporte público: caro e no qual os pagantes nem sempre são tratados como clientes, mas como insignificantes.

A lista de reivindicações populares na rede social dos antimetrô é um verdadeiro Plano Agache – aquele que na década de 1940 praticamente sugeriu uma reconstrução total da capital do estado. Não causaria espanto se alguém sugerisse tirar os rios Água Verde e Juvevê das profundezas a que foram relegados. Boa pedida também.

Não se trata aqui de defender a ferro e a fogo a implantação do metrô ou de ignorar as razões dos descontentes. Fato é que se trata de um assunto que ainda carece de discussão popular, como de todo o resto nas gestões recentes da prefeitura. Mandar está se tornando tradição. Um exemplo é a implantação hiperativa de binários – que descaracterizaram Curitiba e deram o recado de que para o poder público cada carro rodando vale um voto. É um modelo tão autoritário quanto eleitoreiro.

Corre-se o risco de repetir o padrão "lasquem-se" nesses tempos de metrô. Se o novo sistema não vier acompanhado de diálogo cívico [sim, isso é possível], não se tem garantia de que a classe média e a nova classe C – ambas cronicamente motorizadas – vão deixar seus carros na garagem. Antes, devem invadir barbaramente as canaletas, relegando-as ao esquecimento dos paralelepípedos. É preciso estar atento e forte.

Mas não parece ser essa a fonte de indignação popular. A rua sem buraco é de direito. Mas não apenas para que se possa andar de veículo individual, sem quebrar eixos e parachoques, garantindo uma viagem ao redor do umbigo. Tudo indica que a ojeriza ao metrô, no momento, não passa de uma desculpa esfarrapada para reivindicar a prática solitária da boleia.

Se assim for, estaríamos mergulhados numa grande crise da coisa pública. O transporte de qualidade, acessível a todos, deixou de ser uma questão de proa e se perdeu, em meio a uma débil crítica da razão prática, o sentido primeiro da palavra trânsito.

Ora, não há cidade que preste sem melhora nos sistemas de locomoção. O dinheiro gasto com transporte é, indiretamente, investimento em educação, em redução da pobreza, em combate à violência. Vale lembrar aqui o que apontou um dos últimos estudos do Observatório das Metrópoles: onde a mobilidade é sofrível, menos crianças e adolescentes vão à escola, menos gente desfruta da cultura, mais a microeconomia migra para a portinha da garagem. Basta pensar nos jovens das cidades do Primeiro Anel – Araucária, Piraquara, Colombo ou Almirante Tamandaré – inibidos em desfrutar as benesses da cidade-polo por culpa do transporte acanhado. É o maior desperdício do mundo.

O metrô – ou uma reengenharia no sistema de transporte coletivo, que mal não faria – é um trilho para fazer avançar a saúde e a educação, permitindo que a cidade se livre, o quanto antes, da lógica do arquipélago. A formação de ilhas já é visível na cidade que se rendeu às muralhas dos condomínios horizontais e verticais, à hegemonia dos shoppings e ao atendimento quase paternal ao "cidadão consumidor".

Estamos mal-acostumados. Pior – nos vemos a um passo de desistir do transporte público, justo ele que nos deu existência neste grande país. Como dizem os antigos – "é buraco sem fundo".

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