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Há duas semanas, o Conselho Nacional de Educação mostrou que sabe muito bem cutucar uma ferida. Em documento, informou entender que toda e qualquer escola tem obrigação de matricular crianças e adolescentes com deficiência. Embora simples como isso, o parecer teve o efeito de um espirro num ônibus lotado. Meio mundo reagiu, do ministro Haddad, às secretarias estaduais, passando pelas Apaes e pela tia Jurema da cantina. Natural. Inclusão é um daqueles assuntos crônicos da vida nacional, como as favelas e as saúvas, dos quais muitos conformados desviam cantarolando "o que não tem mais jeito nem nunca terá." Será?

À primeira vista, parece mais um daqueles casos de bola dividida. De um lado estariam as escolas especiais defendendo sua própria existência. De outro, as escolas comuns justificando sua lentidão em se capacitar para mais uma tarefa que lhes cabe, à revelia dos salários infames e das condições de trabalho dignas de Malaui. A pensar dessa maneira, contudo, a conversa fica reduzida a migalhas.

O problema da inclusão não se esgota nas escolas e suas razões. O fato é que já passa da hora de fazer valer a Convenção Mundial dos Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil se fez signatário há um ano, sem muito alarde. Tem de cutucar, senão não dói. E essa história tem de doer não só nos pais, nos alunos, nos professores e nos profissionais que se capacitaram para trabalhar com as crianças especiais, mas nos gestores urbanos, sem os quais essa batalha é perdida.

Em 15 anos, desde que o governo federal entendeu e recomendou, com base na Constituição, a convivência entre todos os tipos de educandos – surdos e ouvintes; caminhantes e cadeirantes –, o setor deu passos tão largos que a birra entre federações e associações do ramo perdeu a graça.

Nesse espaço de tempo se deu um pequeno milagre. O número de matriculados com algum tipo de deficiência em escolas comuns avançou de míseros 13% para 54%, salto triplo que não teria sido dado sem o trabalho suado de gente que a gente não vê. Quem tem puxado o freio de mão, impedindo mais avanços, são os que retardam o conceito mais revolucionário dos tempos modernos – o de "cidade inclusiva". É adotá-lo e abre-te Sésamo.

Atente para os números: em meio aos saldos positivos da inclusão no ensino fundamental, é vergonhoso saber que ainda hoje, apenas entre 2% e 5% dos deficientes concluem o ensino médio. Motivo: acessibilidade difícil. As escolas ainda se atropelam, sim, na hora de acolher o aluno diferente, mas pela própria natureza acabam fazendo das tripas coração. O pior está nas calçadas, nos ônibus, nos metrôs que dia após dia soletram um sonoro "não" a quem tem algum tipo de limitação física ou intelectual.

Pode até parecer que os centros urbanos estão de roupa nova, entupidos de rampas e de corrimões. Mas esses equipamentos só funcionam se formarem uma rede de acesso. Sozinha, uma estação de ônibus com elevador não faz inclusão. O deficiente que decide enfrentar as ruas têm de quebrar tantos galhos que nem um Jim das Selvas daria conta. O resultado desse safári insano dá para imaginar.

O mercado de trabalho merece o mesmo sabão passado nas cidades. Por lei, empresas devem incluir entre 2% e 5% de deficientes em seus quadros. As corporações chiam e fazem lobby para derrubar a norma. Há, a propósito, um projeto, de autoria do senador José Sarney, baixando para 3% o número de incluídos em toda e qualquer instituição, o que seria uma mão-na-roda para os grandes conglomerados. Vão poder mais e chorar menos, deixando de acolher os 5% a que hoje são obrigados.

Tristes trópicos. A questão é que o mundo profissional deve se capacitar para receber os deficientes e ajudar a formá-los, em vez de culpar a escola pela falta de candidatos preparados para as vagas, como de praxe. Inclusão, os fatos têm ensinado, acontece. Mas tem de cutucar.

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