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| Foto: Daniel Ramalho/AFP

A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República representará um experimento inédito para o país desde a redemocratização. Pela primeira vez, a pauta liberal em economia chega ao poder com amplo respaldo popular. Trata-se de um feito notável, já que alguns poucos anos atrás a plataforma da redução do Estado seria sinônimo de suicídio eleitoral – quem não se lembra do tucano Geraldo Alckmin, em 2006, vestindo uma jaqueta cheia de logotipos de estatais, enquanto prometia não privatizar nada caso fosse eleito para a Presidência da República?

O estatismo, a ideia do Estado provedor, tem uma longa história no Brasil, que vem desde o império, mas, nas últimas décadas, atingiu seu ápice com Getúlio Vargas, na ditadura militar e nos governos petistas. Mais recentemente, o país viu alguns espasmos de liberalismo: na abertura econômica de Fernando Collor, apesar de seus desastrosos choques heterodoxos no combate à inflação; nas privatizações de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, com sua ênfase na responsabilidade fiscal e na criação de superávits primários; nos programas de concessão tardiamente adotados pelo governo Dilma Rousseff, e que mesmo assim não se libertaram da obsessão pela participação estatal na infraestrutura.

Mas nada disso representava a concretização de um amplo programa baseado nas ideias liberais. O que mais perto chegou disso nos últimos anos foi a “Ponte para o Futuro”, lançada pelo PMDB do então vice-presidente Michel Temer no fim de 2015, quando o país começava a discutir a possibilidade de impeachment de Dilma devido às pedaladas fiscais. O documento trazia uma série de diagnósticos acertados sobre a necessidade da austeridade fiscal, da maior inserção no comércio internacional e de reformas estruturantes, sem medo de propor medidas vistas como impopulares, como privatizações.

O Brasil não pode continuar amarrado pela cultura estatista, pela hiper-regulamentação, pelos privilégios e pelo protecionismo

Quando Temer chegou ao poder, no entanto, a ponte não aguentou os testes de estresse. Havia baixo respaldo popular, já que o povo, iludido pelo estelionato eleitoral petista, havia escolhido um outro programa. Após alguns primeiros sucessos, como a aprovação do teto de gastos, as acusações motivadas pela delação de Joesley Batista direcionaram todo o foco do governo para sua própria sobrevivência – chega a ser notável que a reforma trabalhista tenha sido aprovada no meio do furacão. Por fim, o desfecho da greve dos caminhoneiros foi a volta do intervencionismo estatal na política de preços de combustíveis, ainda que não com o mesmo ímpeto dos tempos de Dilma. Temer conseguiu levar adiante uma série de concessões e implantou medidas desburocratizantes, mas o saldo final de seu governo ficou muito aquém das expectativas que a “Ponte para o Futuro” prometia.

Bolsonaro chega com um cenário um tanto diferente, a começar pelo apoio de quase 58 milhões de eleitores. Ainda que, para muitos brasileiros, a plataforma econômica elaborada pelo economista Paulo Guedes não seja o principal fator que tenha impulsionado o voto no candidato do PSL, não se pode dizer que Bolsonaro escondeu essas ideias: a população sabia bem no que estava votando, mesmo que em alguns temas não houvesse propostas muito concretas. Além disso, o presidente eleito já está costurando sua base no Congresso Nacional e conta com o apoio de várias bancadas temáticas; se ele não tiver de fazer concessões no mesmo nível de Michel Temer, terá mais chance de emplacar o ideário liberal.

Leia também: A ponte do PMDB (editorial de 5 de novembro de 2015)

Leia também: O difícil caminho até a liberdade econômica (editorial de 17 de junho de 2018)

Nossas convicções:Menos Estado e mais cidadão

Isso não significa, no entanto, que a resistência estará enfraquecida. E nem falamos aqui da oposição política de esquerda no Congresso, mas de outras forças, que incluem até mesmo apoiadores de primeira hora de Bolsonaro. O funcionalismo público, que também tem uma representação parlamentar forte, fará o que for possível para barrar medidas que cortem ou reduzam seus privilégios. Alguns ramos do setor produtivo lutarão contra o fim de renúncias fiscais e a abertura comercial – antes mesmo do segundo turno, presidentes de associações setoriais já tinham se encontrado com Bolsonaro para fazer críticas ao plano de Paulo Guedes. Políticos que enxergam estatais como ferramentas de barganha política, trocando apoio pelo poder de nomear e demitir à vontade diretores e gerentes, não aceitarão a privatização do que consideram seus feudos particulares.

O Brasil não pode continuar amarrado pela cultura estatista, pela hiper-regulamentação, pelos privilégios que criam desigualdade e acabam com a competição, pelo protecionismo exacerbado que faz do Brasil um dos países mais fechados do planeta, pela irresponsabilidade fiscal. Os países mais prósperos são aqueles em que vigora ampla liberdade econômica e que se abrem para o mundo sem medo da concorrência. O Brasil tem uma chance única de deixar para trás práticas que nos mantêm no subdesenvolvimento; a batalha será feroz, mas esperamos que o novo governo seja capaz de vencê-la.

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