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As pesquisas de intenção de voto na Argentina são unânimes em apontar vitória da presidente Cristina Kirchner hoje no primeiro turno da eleição presidencial. A previsão é que a candidata alcance mais de 52% dos votos. A vantagem da presidente é tão expressiva que o segundo colocado, o socialista Hermes Binner, de acordo com as sondagens, ficará entre 14% e 17%.

Se confirmados os números dos institutos, os argentinos deixarão claro sua opção por um modelo econômico considerado de alto risco e um governo polêmico, tanto no plano interno como internacionalmente.

Os defensores da reeleição têm inúmeras justificativas para o sucesso da "herdeira" do peronismo, corrente política fundada por Juan Domingo Perón, que governou o país nos períodos de 1946 a 1955 e 1973 a 1974. Entre os principais argumentos dos aliados do "kircherismo" estão o alto crescimento da economia argentina, a queda no desemprego e a estabilidade depois de um ciclo de profundas crises.

Considerando a situação em que se encontrava o país quando Néstor Kirchner, marido e antecessor de Cristina, assumiu o governo, a argumentação dos governistas tem alto poder de convencimento entre o eleitorado, principalmente nas classes de menor poder aquisitivo. Em 2002 a Argentina praticamente faliu. A queda do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano chegou a 10,8% e o desemprego passou de 21%. Muitas empresas quebraram e boa parte da classe média ficou pobre, com 54% da população vivendo abaixo do nível de pobreza.

Oito anos depois do colapso, os dados são animadores se comparados com o período de desgraça. A taxa média de crescimento do PIB chega a 8%, com picos acima de 9%. Para este ano, enquanto muitos países desenvolvidos ficarão estagnados e o Brasil vem reduzindo suas previsões de crescimento – há projeções que apontam um crescimento da economia brasileira abaixo de 4% – os argentinos trabalham com um salto de 8%.

O desemprego, desde 2007 não supera os 10% e deve fechar 2011 com 7,8%. Outro dado altamente favorável ao governo é a redução da pobreza, taxa que ficará abaixo de 9% neste ano.

Olhando somente para esses números, o observador pouco cuidadoso concluirá que a "Era Kirchner" tirou a Argentina do atoleiro e colocou-a de volta à estrada do progresso, marca histórica de um país que num passado não muito distante pertenceu ao time dos mais desenvolvidos do mundo.

No entanto, um olhar mais aprofundado para a realidade dos nossos vizinhos revela que nem tudo é bonança. Para se manter no poder, os Kirchner adotaram políticas que, na visão de muitos especialistas, poderão mergulhar o país novamente em graves problemas.

Uma das maiores ameaças é a inflação. Para esconder a realidade da escalada inflacionária, o governo mudou as regras de medição da alta dos preços, excluindo vários itens da cesta de cálculo. O resultado da artimanha são números oficiais de inflação bem inferiores aos medidos por entidades independentes. Depois de atingir 25% em 2010, a inflação, pelos cálculos do governo, ficará em cerca de 11,5% neste ano, mas a previsão é contestada por analistas e pelo Fundo Monetário Nacional (FMI). Consultorias privadas projetam taxa de 25%.

Outras ameaças são os subsídios e a política assistencialista. Hoje, de cada quatro argentinos, um recebe algum tipo de ajuda do governo. A Asignación Universal por Hijo (AUH), equivalente ao programa Bolsa Família brasileiro, é um dos pilares da popularidade de Cristina. O repasse no valor de US$ 67 atinge 1,9 milhão de famílias. Os benefícios vão desde o pagamento de aposentadoria para pessoas que nunca contribuíram com a Previdência Social até a distribuição de netbooks para alunos de escolas da rede pública. Parte das contas de água, luz e passagens do metrô e de ônibus urbanos é custeada pelos cofres públicos. A passagem de ônibus em Buenos Aires, por exemplo, custa 1,25 peso (R$ 0,46), mas que, sem os subsídios, deveria custar 6,80 pesos (R$ 2,80).

As políticas assistencialistas causaram o aumento do déficit público. Na tentativa de equilibrar o orçamento, o governo aumentou impostos, mas o resultado foi mais pressão inflacionária. Os primeiros sinais de perigo já apareceram: o país pode precisar de US$ 10 bilhões para fechar suas contas em 2012 e a projeção de crescimento do PIB para o próximo ano, segundo o FMI, é de 4,6%, quase a metade da média registrada nos anos anteriores.

A concentração de poder e as tentativas de restrição à liberdade de imprensa são outras pragas que crescem sob a "Era Kirchner". Avessa a críticas e simpatizante de outros regimes latino-americanos populistas e autoritários, como o de Hugo Chávez, na Venezuela, e de Rafael Correa, no Equador, o governo da presidente argentina atua para impedir a divulgação de informações que contrarie o Executivo. Um exemplo do cerco à mídia foi a invasão do jornal Clárin, o de maior circulação no país, por fiscais da Afip, a Receita Federal argentina.

Há ainda o uso da máquina pública na campanha para transformar seu marido, Néstor Kirchner, em mito, numa demonstração inequívoca de culto à personalidade.

Vitoriosa hoje, Cristina Kirchner terá de tomar decisões contrárias ao que tem feito até agora para evitar uma reviravolta no país. Os especialistas veem como inevitáveis medidas imediatas de contenção do gasto público para segurar a inflação.

Ao Brasil resta torcer para que seu mais importante parceiro comercial na América do Sul não entre em novo ciclo de crises. Afinal, a boa fase da economia argentina tem trazido bons frutos aos cofres brasileiros, que, neste ano, deve obter superávit de US$ 6 bilhões nas transações comerciais entre os dois países.

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