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Uma reforma política deve-se pautar por alterações que fortaleçam a democracia e suas instituições, legitimando a representação popular. Quando se adota o discurso da reforma apenas para atender a interesses dos próprios políticos, ela se desvirtua, podendo trazer consequências desastrosas. É o caso da coincidência de mandatos, que, caso aprovada, poderá fazer com que as eleições municipais, estaduais e federal aconteçam a cada 4 ou 5 anos. A medida será avaliada nesta semana pela Câmara dos Deputados juntamente com outros itens da reforma política, como o tempo de duração do mandado dos eleitos, fim do voto obrigatório e a instituição de cotas para as mulheres.

O poder público municipal é o que está mais próximo do cidadão

Em favor da proposta, argumenta-se que a unificação diminuiria os chamados “recessos brancos”, períodos que antecedem os pleitos e praticamente paralisam as ações no Legislativos e engessam o Executivo. De fato, é notório que meses antes das eleições ocorre um esvaziamento das assembleias estaduais e do Congresso, ocasionando a suspensão de debates e votações – muitas vezes sobre temas importantes. Envolvidos nos pleitos, deputados e senadores, sem licenciarem-se de seus cargos, abandonam as sessões do Legislativo para fazer campanha em favor próprio ou de seus aliados. Para isso, na maioria das vezes contam com a conivência de seus pares, que se mostram nem um pouco incomodadas com a prática. Em alguns casos, inclusive, até as mesas diretores das casas parlamentares deixam de convocar sessões deliberativas – aquelas em que os projetos são votados – para dar mais liberdade aos parlamentares em campanha.

Outro argumento usado para defender a ideia é que a unificação das eleições evitaria que congressistas tivessem de deixar seus mandatos antes do término para concorrer a outros cargos e que as negociações entre as esferas de poder seriam favorecidas, uma vez que a renovação dos governos municipais, estaduais e federal aconteceria ao mesmo tempo. Não há garantia de que essas metas seriam plenamente alcançadas com a unificação das eleições e, mesmo que fossem, não nos parecem justificativas suficientes para a aprovação da proposta.

Os efeitos negativos da unificação das eleições são patentes. Infelizmente, ainda estamos longe de ter em nosso país uma cultura política plenamente desenvolvida. Para a maior parte da população, as oportunidades de falar sobre política restringem-se ao período eleitoral. Nos anos em que não há eleição, o assunto – que deveria estar nas conversas diárias de todos – passa para o segundo plano. Uma democracia jovem como a brasileira precisa estimular ao máximo os debates sobre política e não limitá-los. A proposta também traria maior dificuldade para que os eleitores acompanhem e avaliem a atuação de políticos e partidos. Hoje, os resultados dos pleitos municipais acabam servindo de termômetro para governos estaduais e o federal, o que deixaria de acontecer caso a proposta de unificação seja aprovada.

Outro efeito pernicioso seria a centralização das atenções no pleito federal, deixando pouco espaço para o debate sobre as eleições estaduais e principalmente para as municipais. O poder público municipal é o que está mais próximo do cidadão. São as decisões do prefeito e dos vereadores as que mais facilmente são sentidas pela população. É nas cidades que as pessoas podem exercer de forma mais concreta a ação sempre necessária de acompanhar, fiscalizar, cobrar e contribuir com o poder público para o bem comum. Por isso, não faz sentido deixar que as eleições municipais sejam eclipsadas pelo pleito estadual e federal, o que fatalmente aconteceria com a unificação das eleições.

Mesmo que a democracia não se restrinja ao voto, dar condições para que o eleitor possa fazer uma escolha bem pensada, avaliando propostas partidárias, tendo tempo para conhecer os candidatos, atuação e posicionamentos, é fundamental para que a população possa aprender a fazer escolhas cada vez mais acertadas. Atropelar esse processo, instituindo eleições unificadas a cada 4 ou 5 anos e fazendo com que os eleitores tenham de escolher ao mesmo tempo prefeitos, vereadores, deputados, governador e presidente, não contribui em nada para isso. Nesse caso, é melhor que as coisas fiquem como estão e que continuemos a ter eleições municipais separadas da estadual e federal.

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