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O filme tosco que satiriza Maomé foi a gota d’água para os protestos em uma região onde o antiamericanismo é predominante

A violência voltou a recrudescer no mundo islâmico, consequência da indignação provocada pela divulgação de um filme na internet satirizando Maomé. Na tosca produção, supostamente feita nos Estados Unidos com atores amadores, o profeta fundador do Islamismo aparece como um sanguinário pedófilo, louco e bissexual. Os propósitos que levaram à realização do filme, bem como a real identidade dos autores, ainda não estão bem claros, muito embora sejam visíveis os estragos já causados.

As manifestações mais violentas tiveram lugar na Líbia, onde quatro norte-americanos, entre eles o embaixador Christopher Stevens, foram mortos em um atentado ao consulado dos Estados Unidos em Bengazi; e no Paquistão, onde cerca de 20 pessoas já morreram em protestos que levaram até o Brasil a fechar sua embaixada. Desde o início das manifestações em vários países, mais de 30 pessoas já perderam a vida, número que só tende a crescer diante da perspectiva de novos incidentes. Além do filme, a ira islâmica agora também se volta para uma revista de humor francesa, que publicou na semana passada uma charge satirizando Maomé. Como medida preventiva, o governo da França anunciou o fechamento provisório de 20 embaixadas em países de predominância religiosa muçulmana e o reforço na segurança nas demais; situação idêntica já havia sido tomada pelos Estados Unidos para proteger suas representações diplomáticas.

A reação exacerbada ao filme, em particular no Oriente Médio, expõe mais uma vez, em toda sua dimensão, o complexo quadro social, político e religioso que predomina na região. Situação em boa parte resultado da mistura explosiva de fundamentalismo com a opressão histórica de oligarquias que se perpetuaram no poder. Tudo com a complacência das grandes potências mundiais, mais interessadas em garantir sua influência nos governos locais, mirando unicamente a riqueza abundante do petróleo. Nesse sentido, elas sempre fecharam os olhos ao drama social dos povos árabes, que encontraram na religião o seu único ponto de apoio.

Religião que justamente vem sendo o fio condutor das manifestações que ora ocorrem pelo mundo. Diante dos dias de fúria protagonizados pelas multidões indignadas com o filme – de extremo mau gosto, é preciso ressaltar –, não há como não mostrar preocupação com o futuro da chamada Primavera Árabe, que teve o nascedouro na Tunísia e rapidamente se propagou pelo Oriente Médio e países da África. Ditadores caíram na Tunísia, na Líbia, no Egito e no Iêmen; protestos também ocorrem, em maior ou menor escala, no Bahrein, na Argélia, no Marrocos, na Jordânia, na Arábia Saudita, no Irã e, especialmente, na Síria, hoje em guerra civil.

Apesar do aceno de novos tempos nos países que apearam do poder velhas e corruptas tiranias, a realidade vem mostrando que o problema está longe de uma solução. A começar justamente pela questão religiosa, com o risco da substituição de odiosas ditaduras por regimes teocráticos fechados, como o que predomina, por exemplo, no Irã. Nesse sentido, sempre existe o risco de a intolerância falar mais alto, levando a ocorrências como as verificadas nos últimos dias por países que professam a fé islâmica.

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