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A população foi às urnas duas vezes, mas agora vê sua vontade reprimida pelas Forças Armadas e pela Justiça, que usaram filigranas jurídicas para impedir a ascensão dos islamitas, pelos quais nutrem clara antipatia

Depois da revolta popular que levou à queda do ditador Hosni Mubarak, o Egito vive uma nova crise institucional com o confronto entre o novo presidente, Mohamed Mursi, eleito no mês passado, e os militares, que vinham governando o país desde o fim do regime de Mubarak e dão mostras de que pretendem seguir dando as cartas. No domingo, Mursi determinou, por decreto, a reabertura do Parlamento, que havia sido fechado pela Corte Constitucional em meados de junho. O Judiciário rejeitou a ordem do presidente; a junta militar, em comunicado, fez ameaças veladas a Mursi, cujos poderes ainda são incertos.

Tudo indica que se trata de um complô envolvendo as cúpulas das Forças Armadas e do Poder Judiciário egípcios. O Exército e a Corte Constitucional são constituí­­dos principalmente por aliados do ex-ditador – agora gravemente doente e que chegou a ter sua morte anunciada e desmentida no mês passado – e indicam não estar dispostos a ceder o poder à Irmandade Muçulmana, vencedora tanto das eleições parlamentares de janeiro quanto do pleito presidencial de junho. O conluio ficou claro no timing perfeito do golpe que as duas instituições aplicaram na nascente democracia egípcia: primeiro, em 13 de junho, a junta militar havia restabelecido um estado de emergência que permite prisões arbitrárias; assim, garantiu-se que, no dia 14, o fechamento do Parlamento, com a transferência dos poderes legislativos aos generais, não levaria multidões às ruas.

Nessas circunstâncias, temia-se que uma fraude eleitoral levasse à vitória de Ahmed Shafiq, ex-ministro de Mubarak, que disputou o segundo turno contra Mursi – preocupação acentuada pela demora na divulgação do resultado, que acabou favorecendo o candidato islamita. Sua vitória, no entanto, já vinha enfraquecida, com um Legislativo impedido de atuar e uma nova Constituição sendo escrita pelos próprios militares, que devem colocar freios na autoridade presidencial para manter os próprios privilégios.

Os acontecimentos da Praça Tahrir deram ao povo egípcio a esperança de que, após décadas, teria a oportunidade de escolher seus governantes. A população foi às urnas duas vezes, mas agora vê sua vontade reprimida por instituições que usaram filigranas jurídicas para impedir a ascensão de grupos pelos quais nutrem clara antipatia. Não procede o argumento, invocado pela Corte Constitucional, de que o Parlamento devia ser fechado pelo desrespeito à regra eleitoral que destinava um terço das cadeiras a candidatos independentes. Se a Justiça considerou que havia pessoas eleitas irregularmente, bastava anular sua vitória e realizar novas disputas apenas nesses casos, deixando intocados os outros dois terços do Legislativo. No entanto, as Forças Armadas e o Judiciário não toleraram que a vontade popular entregasse a grupos islâmicos os destinos do país. Mubarak pode estar fora de combate, mas sua ditadura dá mostras de ainda seguir forte.

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