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A nova condenação de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares no julgamento do mensalão se destaca pelo intenso debate que culminou no veredicto

O Supremo Tribunal Federal voltou a condenar os principais personagens do escândalo do mensalão: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. O trio teve declarada ontem sua culpa por formação de quadrilha, ao lado de Marcos Valério e outros integrantes dos núcleos financeiro e operacional do mensalão. A sessão de ontem não sobressaiu apenas pelo seu resultado, mas pelo intenso debate que culminou no veredicto.

Os placares de condenação não foram tão elásticos quanto os da sessão de 10 de outubro, quando os ministros analisaram a acusação de corrupção ativa – naquela ocasião, Delúbio foi condenado por unanimidade; Genoino, por 9 votos a 1; e Dirceu, por 8 a 2. Desta vez, o trio teve seis votos pela condenação e quatro pela absolvição – o presidente da corte, Ayres Britto, encerrou a sessão quando o placar era de 5 a 4 e lerá seu voto apenas hoje, mas já adiantou que seguirá o relator, Joaquim Barbosa, que pediu a condenação dos petistas. Além do ministro revisor, Ricardo Lewandowski (que havia inocentado Genoino e Dirceu de corrupção ativa), e de Dias Toffoli (que livrou Dirceu daquela acusação), juntaram-se a eles ontem as ministras Rosa Weber e Carmen Lucia. Elas já haviam inocentado outros réus da acusação de formação de quadrilha, e mantiveram o mesmo entendimento no caso da cúpula petista e dos demais acusados cuja situação foi analisada ontem pelo STF.

A linha seguida pelo revisor e pelos ministros que o acompanharam defende que o crime de formação de quadrilha pressupõe, em suas palavras, "estabilidade, permanência, número mínimo de participantes, liame subjetivo entre os membros e o objetivo de praticar uma série indeterminada de crimes", o que não teria acontecido no caso do mensalão. Lewandowski ainda acrescentou que a denúncia oferecida pelo MP não permitia deixar claro se o que realmente ocorreu seria formação de quadrilha, organização criminosa ou associação criminosa.

Ainda que seja compreensível que os políticos corrompidos sejam inocentados da acusação de formação de quadrilha, seria muito mais difícil entender como os mentores do esquema do mensalão – a cúpula petista, o grupo de Marcos Valério e dirigentes do Banco Rural – não se encaixariam na descrição do artigo 288 do Código Penal, que define formação de quadrilha como "[A]ssociarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes". O critério numérico está satisfeito, e a finalidade de corromper parlamentares para a obtenção de apoio já foi fartamente comprovada – trata-se do que o ministro Luiz Fux chamou, na sessão de ontem, de "projeto delinquencial". Projeto este, aliás, que durou dois anos e meio e só foi encerrado por motivo de força maior: as denúncias do então deputado Roberto Jefferson, o que contestaria assim, o argumento de que os acusados deveriam ser inocentados porque não haveria "o dolo de criar ou participar de uma ação criminosa autônoma com vistas à prática de crimes indeterminados", nas palavras de Rosa Weber.

Outros argumentos usados para inocentar os idealizadores do mensalão também foram contestados na sessão de ontem. Gilmar Mendes, por exemplo, lembrou que o Código Penal não exige que os crimes cometidos sejam o meio de vida dos membros da quadrilha, argumento que Rosa Weber tinha mencionado na sessão de 27 de setembro, quando absolveu da acusação de formação de quadrilha políticos pertencentes a partidos que teriam sido "comprados" com o dinheiro do mensalão.

O julgamento não está encerrado: ainda falta ao Supremo resolver os diversos casos de empate e definir as penas dos réus condenados. Mas a sessão de ontem, além de reforçar diante de todo o país a gravidade do mensalão, ofereceu uma oportunidade ímpar para que se aperfeiçoe o entendimento jurídico sobre o crime de formação de quadrilha, pelo qual Delúbio, Genoino, Dirceu e outros acusados foram condenados. Ministros chegaram a citar os mesmos autores para, na hora do voto, assumir posições divergentes. O choque de argumentos que se viu ontem no Supremo mostra que, mesmo nas votações que tiveram resultados menos apertados, o tribunal está longe da suposta subserviência a interesses ocultos que boa parte da militância petista vem atribuindo ao STF durante o julgamento. Ganha o Brasil, com a nova condenação dos mentores do mensalão; e ganha o Direito brasileiro, ao se reforçar o papel do STF como uma corte que preza pelo embate de ideias.

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