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No período febril do movimento estudantil – anos 70 e 80 –, os mais velhos diziam com ar de sabedoria desencantada que era normal ser comunista aos 20, mas só os tolos permaneciam comunistas aos 40. De minha parte a afirmação ficava sem resposta porque eu havia decidido que a adoção de posição política seria feita de modo racional, como resultado de compreensão das ideias. Desejava fazer opção ideológica, não religiosa. Por força disso, a paixão juvenil e o desalento senil com a política não faziam sentido para mim. Não seria uma coisa na juventude e seu oposto na velhice.

O aprendizado propiciado pelas leituras e experiências de militância se estendeu por tempo suficiente para incluir sucessos como a campanha das Diretas e desastres como o Plano Cruzado. A Constituinte com as suas mal traçadas linhas e a queda do Muro de Berlim exigiram consistência informacional e demorado processo de análise para a formação de sínteses que se consolidaram em concepção de que os acontecimentos do mundo não são explicáveis apenas pelo modo como os meios de produção são controlados, se pelo Estado ou por particulares. As complexidades da existência individual e as variadas maneiras de organização coletiva são causadas por miríade de fatores, não apenas pelos de viés econômico.

No curso da década de 90 se tornou moda ser ex-comunista. Observei esse fenômeno com a curiosidade científica de quem acompanha a transmutação da lagarta em borboleta. A fealdade radical em beleza radical. Mas sempre a nota de intensidade, de exagero. Quem não tinha dúvida quando era uma coisa está cheio de certezas quando se torna outra. Conversões semelhantes a experiências místicas. No meu cantinho intelectual, permaneci cultivando indagações e dando tempo ao tempo para alcançar respostas que nem sempre chegam. Sim, a postura científica admite a impossibilidade de superar toda ignorância, mas não se resigna, não se entrega à ataraxia.

Dia desses, acompanhando os calores artificiais da campanha eleitoral, me ocorreu não haver ex-liberal. Mantendo a metáfora: não conheço história de borboleta que se tornou lagarta. A quem me acompanhou até aqui devo dizer que simplifiquei o conteúdo conceitual de comunista e liberal para desenvolver a argumentação binária. Tanto é que alguém pode objetar, dizendo ser liberal nos costumes e não na economia ou política. Contudo, ainda que ao estilo yin e yang, os metaconceitos servem para a compreensão do punctum saliens: ninguém é liberal aos 20 e comunista aos 40. Por quê?

Aprende-se a fazer contas e se percebe que não há passagem de ônibus grátis? Perde-se a generosidade e ganha-se avareza? Toda a vivência depois dos 30 é puro desperdício de poesia?

Monopólios, oligopólios são odiosos porque tendem a gerar parasitose de minorias sobre maiorias. Contudo, parasitas houve em todas as organizações econômicas já engendradas; não são exclusivos do capitalismo. Para dar eficácia à indignação que brota da injustiça visível na relação entre parasitas e hospedeiros insta superar o torpor da preguiça ou do medo de pensar que levam a soluções miraculosas.

Para fazer revolução é preciso conhecer contabilidade.

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