• Carregando...

No Brasil, filas noturnas diante de lojas são algo observado apenas às vésperas de grandes promoções, como os saldões de fim de ano. Na Venezuela, no entanto, elas se tornaram um evento corriqueiro, visto dia sim, dia também. Tudo por causa da grave crise de abastecimento que atinge o país há um bom tempo. As festas de fim de ano apenas tornaram o problema ainda mais drástico. Produtos de limpeza, alimentos básicos como leite, e até mesmo remédios – sem falar do papel higiênico, que se tornou um símbolo da escassez nos mercados do país – são artigos raros nas prateleiras. Assim, para garantir o mínimo para si e suas famílias, os venezuelanos se instalam à noite diante dos supermercados para serem os primeiros a entrar nos estabelecimentos e, quem sabe, levar para casa alguma coisa antes que acabe o estoque do dia.

Mas, como já se tornou hábito na ditadura bolivariana de Nicolás Maduro, prefere-se atacar o efeito em vez da causa. Foi assim que, neste início de 2015, governadores chavistas de três estados venezuelanos – Falcón, Bolívar e Yaracuy – resolveram simplesmente proibir as filas noturnas, com os mais diversos argumentos. Francisco Rangel, governador de Bolívar, afirmou que "filas durante a noite são perigosas para as pessoas". De fato, a Venezuela tem índices de homicídios comparáveis ao de zonas em guerra, outro sinal da falência das instituições no país.

Mas outros bolivarianos resolveram adotar a tática, já conhecida de regimes autoritários, de buscar outros culpados, internos ou externos. Julio León, governador de Yaracuy, afirmou que os cidadãos que passam as noites nas filas dos supermercados "alteram a ordem pública, compram e logo revendem a preços especulativos". Maduro já havia recorrido a essa retórica para justificar outras medidas de controle do consumo das famílias venezuelanas. Afirmando que contrabandistas levavam os produtos venezuelanos para a Colômbia, ele fechou as fronteiras com o país vizinho no período noturno, em acordo com o presidente Juan Manuel Santos. E, para combater o suposto mercado negro interno, Maduro estendeu para todo o país um controle biométrico que impede que a mesma pessoa compre o mesmo produto mais de uma vez na semana. A medida já vigorava em supermercados estatais desde janeiro de 2014, e em agosto foi ampliada também para os estabelecimentos privados. Mesmo assim, a escassez continua – ou seja, é preciso buscar as razões das prateleiras vazias em outros fatores.

Para piorar a situação, os preços do petróleo, o grande produto de exportação venezuelano, no mercado internacional estão em queda – o barril vale hoje a metade do que custava em maio do ano passado. Foi na época do petróleo caro que o chavismo conseguiu bancar os programas assistenciais que lhe garantiram o apoio dos mais pobres. Agora, o governo busca desesperadamente manter subsídios e, com menos recursos entrando no país via exportações, fica ainda mais difícil abastecer o comércio interno, agravando a situação nos supermercados. A inflação acumulada em 12 meses ronda os 60% e o câmbio oficial apresenta cotações irreais na comparação com os valores do mercado paralelo.

Maduro tem o Legislativo e o Judiciário nas mãos; pode fazer praticamente o que bem entender em termos de política econômica sem obstáculos de ordem institucional. Mesmo assim, experimenta sucessivos fracassos, que para ele são consequência não das desastrosas escolhas do "socialismo do século 21", mas de uma "guerra econômica" travada contra o chavismo pelo combalido setor produtivo venezuelano e, como não poderia deixar de ser, pelos Estados Unidos. Não surpreende que a popularidade do líder bolivariano esteja em queda livre, atingindo os 22% em dezembro.

Dê sua opinião

Você concorda com o editorial? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]