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Das peculiaridades da brasilidade, encarar a greve no serviço público como algo corriqueiro tem lugar de destaque. Diga-se, os servidores têm feito mais greves que os trabalhadores da iniciativa privada. Governo, mídia, parlamentares, Judiciário discutem o assunto em termos superficiais, restringindo-se à conjuntura econômica, aos métodos violentos que flertam com a sabotagem, à assimetria salarial entre o setor público e privado. A questão de fundo permanece intocada: é admissível a greve no serviço público?

A resposta jurídica à indagação está no art. 37, VII, da Constituição Federal, que assegura o direito de greve a ser regulado por lei específica – inexistente até hoje. Sim, o constituinte preceituou a greve. Encerra-se a discussão? Penso que não, porque as normas são elas e suas circunstâncias, e a nossa Constituição é fruto de momentos políticos que empobreceram o debate em razão do ambiente ideológico que transformou o questionamento de alguns temas em tabu. A muito custo houve lucidez suficiente para, com escassa maioria, proibir a greve nas Forças Armadas. Contudo, para o serviço civil, a lucidez perdeu terreno ante a avalanche de ideias vindas diretamente das praças de Moscou e São Petersburgo em 1917.

O capitalista manda no trabalhador, obtendo dele condutas produtivas, porque o trabalhador depende da retribuição, sempre menor que o valor gerado, para sobreviver. Com a greve, o trabalho é desconectado do capital, tornando-o estéril, incapaz de gerar riqueza. Levada ao extremo, a greve mata de fome o capitalista, o trabalhador e a coletividade que depende dos bens e serviços. Em microperspectiva, a relação entre patrão e empregado é de mando e obediência, hiper e hipossuficiência. Aos olhos do interesse coletivo, a relação é simbiótica, de recíproca fertilização e igualdade de relevância. A greve, na relação capital e trabalho, é legítima como ferramenta de equilíbrio da intrínseca desigualdade entre o dono dos meios de produção e o trabalhador. O limite à greve de trabalhadores e à intransigência dos patrões é a tranquilidade e segurança da sociedade.

O servidor público não entrega trabalho ao capital para gerar riqueza a ser majoritariamente apropriada pelo capitalista. Não há mais-valia. Não há subordinação ao proprietário dos meios de produção. Serve diretamente à coletividade em atividades consideradas essenciais e, por isso mesmo, subtraídas à conjunção do capital e trabalho, sempre sujeita a ruídos e colisões. Se o seu labor não for essencial, não deveria ser público. A greve no serviço público insulta a inteligência. Então, qual a causa de sua existência?

A resposta está em Trotsky, que via a greve geral como elemento indispensável à insurreição, tornando-a tão fácil quanto "murro num aleijado", pois a sociedade estaria paralisada e indefesa diante dos revolucionários. Assim, antes de tomarem o poder em 1917, eles postularam a greve no serviço público com o desiderato de gerar o caos. No poder, o papel continuou admitindo a greve, mas os grevistas esfriavam a cabeça na Sibéria. Assim, o casuísmo se transformou em tese e nós, brasileiros, com vergonha de pensar e dizer não, nos tornamos reféns de anomalia moral e política.

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