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O recrudescimento da crise brasileira, com cenas próprias da pior delinqüência – flagrantes policiais de situações constrangedoras, depoimentos cinicamente falsos e a sintomática submersão silenciosa dos envolvidos (José Dirceu, que anunciara sua defesa na Câmara dos Deputados, parece ter mudado de país) –, conduz, inevitavelmente, a algumas conclusões.

A primeira, caro leitor, é a urgente necessidade de se caminhar para a abertura de uma CPI da corrupção. Como lembrou o jornalista Fernando Rodrigues, está em curso no Congresso uma operação destinada a embaralhar as apurações em andamento. Além da CPI dos Correios, vão começar a funcionar outras duas: a do "Mensalão" e a dos Bingos. O Palácio do Planalto, sublinha Rodrigues, opera ativamente para que essas novas investigações entrem logo em cena. Quem ouviu o recente discurso do presidente Lula a um grupo de sindicalistas, em Brasília, notou, certamente, a contundência com que o presidente, em nome de sua isenção no combate à corrupção, defendeu a multiplicação de CPIs. Dispersar a investigação e fragmentar os fatos formam parte da estratégia do governo.

A juíza Denise Frossard, portadora de notável currículo no combate ao crime organizado, está convencida de que foi instalada uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro. Concordo com ela. A CPI dos Correios está apenas arranhando um dos tentáculos. A cada dia, infelizmente, surgem novos indícios de corrupção. Aparentemente, só para citar um exemplo, cartões de crédito corporativos têm sido usados para despesas pessoais. Como salientou reportagem do jornal O Globo, se gastos com vinhos fazem parte das relações corporativas dos diretores da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, difícil é entender o que faz o nome de uma empresa especializada em sites pornográficos no extrato de despesas do presidente do conselho deliberativo do fundo, Henrique Pizzolato. Localizado em Londres, onde participava de encontro sobre fundos de previdência, Pizzolato afirmou que nunca ouviu falar da empresa ou do site e que não tem idéia de como a conta foi debitada no cartão da Previ, que ele usa somente em serviço. Sem querer prejulgar ninguém, é muito estranho. Convém, por isso, aglutinar tudo numa única CPI da corrupção, com subcomissões temáticas apurando cada acusação, mas centralizando o resultado num relatório final conjunto. É a proposta de Fernando Rodrigues. Assino em baixo. A dispersão investigativa acabará em impunidade.

Impõe-se, em segundo lugar, decretar o fim do acordo firmado entre as forças políticas para proteger a imagem do presidente da República. Afinal, quem merece uma blindagem contra a corrupção é o Brasil e seu povo ordeiro e sacrificado. Pesquisa da Ipsos-Opinion, publicada pela revista Veja, mostra que 55% dos brasileiros acreditam que Lula sabia da corrupção no governo. Ao mesmo tempo, a pesquisa CNT/Sensus, embora positiva para a imagem do presidente, apenas evidencia o sucesso da operação de blindagem. Com o aprofundamento das investigações, no entanto, a omissão presidencial ficará cada vez mais patente. Cairá a ficha daqueles que, esquizofrenicamente, imaginam que seja possível separar o presidente da República dos seus ministros e aliados.

O presidente, supostamente, teria tomado conhecimento do mensalão em mais de uma ocasião. O deputado Roberto Jefferson afirmou que contou tudo ao presidente em janeiro. A versão foi confirmada pelo ex-ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. O governador de Goiás, Marconi Perillo, afirmou que relatou a Lula no ano passado o pagamento de mensalão a parlamentares da base aliada. Tais diálogos não foram desmentidos e são suficientes para configurar crime de prevaricação. Ademais, todos os envolvidos no suposto escândalo, direta ou indiretamente, tiveram algum aval, administrativo ou de confiança, do presidente da República. José Dirceu foi nomeado "primeiro-ministro" por Lula. Desde o caso Waldomiro, Dirceu ficou numa desconfortável berlinda. Mas Lula o manteve no cargo. Só saiu, como todos sabem, quando o deputado Roberto Jefferson afirmou que Dirceu acabaria arrastando o presidente. Delúbio Soares, pivô do escândalo, e José Genoíno não são estranhos ao presidente. São amigos e confidentes de longa data. Lula, queiramos ou não, é o grande responsável pela crise que castiga o Brasil. Se o presidente da República prevaricou, e tudo indica que sim, está ética e legalmente impedido de disputar um segundo mandato.

O Brasil, caro leitor, pode emergir deste lodaçal para um patamar civilizado. Mas para que isso aconteça, com a urgência que se impõe, é preciso que os culpados sejam punidos. Mesmo que se trate do presidente da República.

difranco@ceu.org.br

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação, representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda.

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