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O pronunciamento do senador José Sarney, defendendo bom senso nos trabalhos de apuração dos focos de corrupção no setor público, reforçou linha adotada pelas lideranças oposicionistas, que descartaram qualquer recurso ao processo de impedimento presidencial, pelo menos à luz dos elementos presentes. Sarney – com a autoridade de primeiro ex-presidente do ciclo de redemocratização – apoiou a punição dos culpados, mas insistiu na necessidade de reformas que aperfeiçoem o sistema de escolha de governantes e representantes. De fato, o interesse público recomenda aproveitar o choque causado pela crise para o fortalecimento das instituições políticas brasileiras.

Essa também é a posição da professora Rachel Menegullo, da Universidade de Campinas, ao analisar a crise política atual: há um cenário já antigo que coloca o funcionamento do Estado em rota de deslegitimação pela opinião pública. "Até agora a democracia de 1985 não foi capaz de resgatar a confiança no sistema e a reforma política reaparece como uma das principais medidas para essa recuperação". A mesma opinião é endossada por outros estudiosos e por este jornal. Por isso não cabe a colocação de que o recurso à reforma política "é a panacéia de sempre"; pelo contrário, é a alternativa à mão para salvaguardar a democracia representativa no país.

Realista quanto à limitação das mudanças possíveis no curto espaço de tempo autorizado pela legislação (um ano antes das eleições de 2006), o senador Sarney apóia a reforma da sistemática de campanha eleitoral, nos moldes propostos pelo senador Jorge Bornhausen e que levaria ao enxugamento das apresentações televisivas e dos comícios; reduzindo o grau de espetáculo "que pretende vender pessoas como se fossem sabonete" – como argumentou sensatamente o ministro Carlos Veloso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

O ideal seria corrigir "o atual sistema partidário, que chegou ao fim", ajunta o senador. Sarney, admitindo não haver possibilidade de adotar mudanças mais profundas no momento. Mas há alternativas: discursando na Conferência Estadual de Advogados, em Curitiba, o ex-ministro Miguel Reale Júnior sugeriu uma emenda constitucional de urgência que amplie em seis meses o prazo para a revisão eleitoral, o que permitiria discutir – e eventualmente adotar – institutos como o voto distrital misto, as federações de pequenos partidos, o financiamento público exclusivo e outros aperfeiçoamentos.

Outros observadores aduzem que as melhorias já vêm ocorrendo: com a crise dos "anões do Orçamento" foi corrigido o processo de elaboração dessa peça legislativa fundamental; lei de iniciativa popular coíbe o assédio ao eleitor; mandatos parlamentares têm sido cassados por quebra de decoro e assim por diante. O fechamento de novas brechas agora é apontado pela ONG Transparência Brasil como um fator hoje capaz de reduzir a corrupção, diminuindo a chance de novos escândalos.

Quanto ao ator central do episódio, o cientista político Brasílio Sallum Jr., da USP, avalia que "o PT foi afetado por sua gula", no sentido de que o partido – embora contando com apenas 20% das bancadas na Câmara – tentou abocanhar mais de 70% dos cargos governamentais. Com esse panorama, foi obrigado a formar coligação instável para sustentar seu governo: os demais partidos não tinham a contrapartida tradicional de cargos nos ministérios e o convencimento para o apoio se deu via cooptação monetária.

Ainda há tempo para corrigir tais erros, num arranjo para o próximo ano e meio de mandato. Se for de boa estratégia, evitará o colapso de um partido de massas construído ao longo de 25 anos; exatamente o mesmo tempo do sindicato-partido Solidariedade, que realizou a transição da Polônia para a democracia. Seu líder, o ex-presidente Lech Valesa, anunciou o afastamento da cena política, declarando-se desiludido com a desmobilização dos adeptos; a qual em certa medida deveu-se ao seu insucesso em responder às vastas expectativas trazidas com o fim do regime comunista.

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