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A decisão dos Estados Unidos de propor ao Brasil um acordo devido aos subsídios norte-americanos ao algodão, já condenados pela Organização Mundial do Comércio, para evitar uma retaliação brasileira, confirma o alheamento de Washington em relação às decisões da entidade. Mesmo condenada a eliminar os subsídios de garantias de crédito à exportação e seu programa "Step 2" de ajuda a seus cotonicultores, a administração de George W. Bush preferiu apresentar ao Brasil um programa modesto de redução gradual que, como se esperava, não atendeu aos interesses brasileiros. Ao contrário, para os Estados Unidos – haveria outra explicação? –, parece sair mais barato se fazerem de surdos, mesmo com o risco de sofrer a maior retaliação já pedida contra o país, do que reformarem as leis relativas aos subsídios à exportação.

Mas esse seria o pior caminho nas relações Brasil–Estados Unidos, sobretudo quando se anuncia uma visita do presidente Bush ao país e o presidente Lula cobra a redução do protecionismo agrícola dos países ricos, enquanto nuvens cinzentas pairam sobre a Rodada Doha da OMC para liberalizar o comércio.

Ao manter os subsídios aos produtores de algodão, pretextando que estão tentando manter um diálogo, os Estados Unidos não dão alternativa ao Brasil, exceto a de exercer seu direito de pedir a retaliação, até para não estreitar ainda mais os objetivos da Rodada Doha. Manter os subsídios já produziu efeitos negativos que impõem uma reflexão mais séria da administração norte-americana – entre eles, em julho, o pedido à OMC para suspender US$ 3 bilhões de direitos de propriedade intelectual dos Estados Unidos.

Tal supressão poderá até englobar a quebra de patentes de produtos de empresas americanas, inclusive sem se descartar a supressão de direitos autorais na indústria de informática, entretenimento e serviços, conforme mecanismos previstos pela OMC.

No caso do algodão, 1.o de julho era a data fatal estabelecida pela organização para os Estados Unidos cumprirem as determinações sobre os subsídios a seus produtores e no dia 15 a data para a resposta da OMC ao pedido brasileiro de imposição de retaliações. Há poucos dias, um representante da Casa Branca se limitou a propor um acordo ao Itamarati, com um cronograma para cumprir a decisão da OMC totalmente fora de prazo, o que permite supor que o assunto esteja ausente de suas preocupações.

Nosso governo tem sido muito tolerante, arrostando até críticas por causa disso – se houver uma proposta concreta, prevê-se que algo precisará ser feito para compensar prejuízos anuais de cerca de US$ 480 milhões que, segundo a Associação Brasileira de Produtores, sofreram os produtores brasileiros. Mas o valor real, entre 1999 e 2002, deverá ser bem inferior aos prejuízos causados à nossa balança comercial por mais esse protecionismo ilegal e esdrúxulo, sem considerar os reflexos negativos de uma retaliação para os dois países. Certamente, o governo norte-americano pode continuar protelando esse impasse por algum tempo, mas não por todo o tempo, talvez contestando o valor indicado pelo Brasil. Mas isso não lhe trará muitos benefícios na Rodada Doha.

Assim, o ideal teria sido que a situação não tivesse chegado a tal ponto, inclusive porque medidas de retaliação podem atingir outros produtos e não só o algodão. De qualquer modo, não há mais como recuarmos de nossos direitos se, por parte dos Estados Unidos, não houver sinais claros de uma mudança de atitude.

Afinal, fora os chamados "subsídios proibidos", que deveriam ter acabado em julho, ainda perdura, nesse país, um entulho comercial doméstico que, se não removido, ainda nos causará grandes prejuízos. Portanto, os subsídios americanos aos produtores de algodão são apenas um dos obstáculos ao aumento de nossas exportações, em função da derrubada artificial dos preços internacionais, que pesa sobre muitos outros produtos brasileiros.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos e Jurídicos do Santander Banespa.

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