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Notícias de Brasília: o Congresso se autoconvocou extraordinariamente depois de ter passado um semestre praticamente parado, com pouquíssima atividade legislativa. O presidente da Câmara, com aquele seu ar catatônico comunicou à nação que a autoconvocação estava sendo feita e escapou da inevitável pergunta que lhe seria feita, declarando que esta geraria todas as conseqüências pertinentes: leia-se, uma despesa de quase 100 milhões de reais para o contribuinte e um Natal reforçado para os pais da pátria. Dois implicados no escândalo do mensalão já foram inocentados e outros esperam alegremente sua vez, agora que já existe uma espécie de jurisprudência em formação: caixa 2, aliás recursos não contabilizados, pode! Fraudar a prestação de contas ao TRE, aliás quitar despesas não declaradas de campanha das quais não se tem um documento que seja, também pode! Enquanto isso, nos corredores do poder, deputados e senadores correm esbaforidos para garantir um último empenho, um derradeiro convênio, uma definitiva subvenção antes que a ucharia feche para balanço. Êta ferro!

Brasília tem cada vez mais a cara de sua fauna política e burocrática. Quando Lúcio Costa desenhou a cidade que Juscelino construiu , tinha a ilusão de estar projetando mais do que um núcleo urbano: acreditava estar projetando um novo estilo de vida em que a população se concentraria nas superquadras, moraria em prédios de gabaritos baixos, em escalas humanas de convivialidade, faria compras no centro comercial da vizinhança, mandaria seus filhos para uma escola próxima e freqüentaria centros comunitários. As atividades produtivas se distribuiriam disciplinadamente no quadro urbano, cidadãos comuns e "otoridades" esbarrariam nos supermercados e nas lojas, suplicantes e suplicados coexistiriam em harmonia nos corredores do poder, onde a população poderia ter fácil acesso aos seus representantes políticos.

Passados 45 anos de sua inauguração, a Brasília de hoje tem muito pouco dessa utopia a exibir. A arquitetura moderna se descaracterizou progressivamente: de um lado do lago, os prédios de Niemeyer e de seus seguidores, alguns de uma inspiração criadora insuperável como o Palácio do Alvorada e o Palácio dos Arcos, outros simplesmente grandes caixas de vidro inabitáveis. Outros ainda de aparência insólita e funcionalidade nula, como a nova Biblioteca Nacional , semi-esférica e totalmente fechada a prenunciar que a vida humana só será possível dentro dela com sofisticados sistemas de ar condicionado. Do outro lado do lago, a velha e consagrada arquitetura da classe média brasileira, com as casas em estilo supostamente colonial, muitas das quais com uma prestigiosa piscina a "ornar" o jardim, pois mais do que ter piscina em casa é importante fazer os outros saberem que se tem piscina própria.Nas cidades-satélites, nenhuma ilusão: os mesmos padrões subumanos de habitação e de infra-estrutura comuns às grandes metrópoles brasileiras, onde o crime e a insalubridade imperam. Parafraseando Fernando Gabeira, quando se sai de Brasília para a periferia, não se muda só de cidade, se muda de século.

A burocracia se refestela. A Esplanada dos Ministérios, simetricamente projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para ser o centro do poder, que se autolimitaria em prédios do mesmo tamanho experimentou um processo de oncogenia construtiva: cada sede de ministério está ligado a vários "Anexos", discretamente posicionados fora do Eixo Monumental e das vistas do público enquanto que o Congresso é hoje um enorme conjunto de prédios interligados por um labirinto de corredores; afinal, é necessário acomodar mais de 600 parlamentares e milhares de funcionários e assessores, além de parentes, correligionários, cupinchas, aspones e asmenes. Em outros prédios, segmentos da elite burocrática se protegem dos olhares externos atrás de cortinas de vidros espelhados enquanto que uma dúzia de grandes palácios inacabados demonstra a preocupação da alta burocracia com suas próprias condições de trabalho enquanto que o resto do país suporta as carências mais absolutas.

Com esse entorno, nada a estranhar quando a elite política demonstra absoluto desprezo pela opinião pública ou quando a alta burocracia revela seu absoluto desconhecimento da realidade nacional. Brasília se transformou em uma cidadela medieval onde essas elites se refugiam da população e dos problemas, em agradável convivência com uma multidão de lobbistas e de representantes de grupos sociais e econômicos organizados que lutam pela defesa de seus interesses e de seus privilégios.

Enquanto isso, fora dos muros, a população excluída observa resignada o que se passa no castelo, na esperança de que sobrem para ela algumas migalhas do banquete que se desenvolve lá dentro.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações da UniFAE e membro da Academia Paranaense de Letras.

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