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Mais que um pacote de benesses, o que os usineiros precisam é da sinalização firme de que vale a pena apostar no etanol

No fim de agosto, um alto funcionário do Ministério de Minas e Energia revelou uma projeção assustadora. Disse que, "se não houver aumento substancial na produção de etanol", o Brasil pode ter de importar 12 bilhões de litros de gasolina em 2020, o que custará perto de R$ 58 bilhões, considerando os preços atuais. Nem parece que ele se referia ao mesmo país que em meados da década passada afirmou ter atingido a autossuficiência na produção de petróleo; que em 2007 anunciou a descoberta das reservas do pré-sal; e que até pouco tempo atrás era governado por um presidente que chamava os usineiros de "heróis nacionais" e correu o mundo para abrir mercados ao combustível vegetal.

Os números previstos pelo ministério podem vir a ser diferentes, mas o raciocínio está correto: em um país onde grande parte da frota de automóveis leves é "flex", quanto menor for a produção de etanol, maior será a necessidade de gasolina. O problema é que o governo federal tem se esquivado de assumir sua parcela – nada desprezível – de culpa na estagnação da produção de álcool e no explosivo crescimento do consumo de gasolina. E tampouco tem agido para corrigir os rumos.

O Planalto evidentemente não é responsável pela crise financeira de 2008, que paralisou os investimentos do setor sucroenergético; nem pelas adversidades climáticas que limitaram a produção de cana-de-açúcar nos últimos anos. Mas é do Executivo federal que partem as ordens para que a Petrobras mantenha congelado o preço da gasolina nas refinarias, alheio à evolução da cotação internacional do petróleo e ao balanço de oferta e demanda de combustíveis. Na prática, a estatal tem subsidiado a gasolina, de forma que o dono de carro flex é induzido a optar pelo derivado do petróleo. Com a demanda em baixa, os produtores de etanol têm ainda menos estímulos para investir, o que deve resultar em novas quedas de produção, que vão deprimir ainda mais a competitividade do produto. O círculo vicioso já está formado.

Reportagem da Gazeta do Povo do último domingo mostrou que, por mais que agrade ao consumidor e ajude a controlar a inflação, a estratégia do governo está asfixiando a indústria de álcool e provocando prejuízos crescentes à Petrobras – e, claro, aos acionistas da estatal, entre os quais se incluem milhares de brasileiros que investiram seu FGTS em papéis da empresa. Isso para não falar da vergonha que o país passa em eventos como o Rio+20 ao incentivar o consumo de combustível fóssil em detrimento de uma opção renovável e menos poluente. Dono de uma indústria de etanol que já foi a segunda do país, o Paraná é uma das vítimas: sua produção caiu 32% desde o pico da safra 2008/09, o que derrubou o estado para o quarto lugar do ranking nacional.

Consciente do peso que impõe à Petrobras, obrigada a revender a gasolina importada com prejuízo, o governo cedeu e autorizou dois reajustes desde o ano passado. A Petrobras pôde elevar o preço da gasolina que vende na refinaria e, em contrapartida, o governo reduziu – na última vez, a zero – a alíquota da Cide, de forma a evitar que o aumento chegasse ao consumidor final. Como resultado, o Planalto suavizou (mas não eliminou) as perdas da companhia; abriu mão de um tributo teoricamente destinado à conservação das estradas; e permitiu que o preço na bomba continuasse a passar um recado errado ao consumidor – o de que o consumo da gasolina pode aumentar indefinidamente, sem qualquer efeito nos preços. Não custa lembrar que, sendo a Petrobras controlada pela União, seus prejuízos sempre vão chegar, de uma forma ou de outra, ao contribuinte.

No ano passado, o governo até tentou dar uma mão à indústria de etanol, ao anunciar linhas de crédito para a formação de estoques. Não deu em nada. Mais que um pacote de benesses, o que os usineiros precisam é da sinalização firme de que vale a pena apostar no etanol. E isso não vai ocorrer enquanto os preços dos combustíveis não refletirem de modo cristalino as condições do mercado. Não se trata de repassar à bomba imediatamente a oscilação diária da cotação do barril do petróleo; não é preciso tanto. Falta, isso sim, agir com bom senso e responsabilidade.

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