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Quem não agüentou a virada da noite entrando pela madrugada e não viu a entrevista do presidente Luiz Inácio Lula no programa comemorativo da milésima apresentação do "Roda Viva", pela TV Cultura, perdeu a oportunidade rara de rever conceitos, informações e análises sobre o mundo, o país e o governo.

Se nada de novo foi anunciado em duas horas distribuídas nos cinco blocos, com intervalos para recuperar o fôlego, o espetáculo justificou o tempo roubado ao sono e a insônia com os batimentos acelerados pelos batimentos cardíacos, pelo inusitado da sucessão de surpresas.

Convém alertar os interessados que o clima festivo do aniversário, ressaltado na apresentação pelo seu diretor, jornalista Paulo Markun, prevaleceu no comportamento contido da bancada de entrevistadores. E não foi ao vivo, mas gravado no salão de despacho do Palácio do Planalto e editado sem cortes.

O primeiro choque com a repaginada imagem do presidente: terno escuro, gravata vermelha lembrando a desbotada bandeira do PT, rosto escanhoado a capricho e cabelos espichados, lisos, não tão pretos como as asas da graúna, mas agradecendo os cuidados profissionais do maquiador, e repuxados para cima, como uma touca que resistiu às horas de sacudidelas sem desmanchar um fio.

Loquaz como de hábito, desinibido e à vontade, ditou o clima da roda de papo, driblando os raros instantes de tensão provocados por perguntas impertinentes. Nada conseguiu afastá-lo da tática certamente ensaiada com o desconhecido substituto do Duda Mendonça. Delineou, com ênfase e sem piscar o olho, o quadro mágico dos seus êxitos internacionais, como líder do continente reverenciado em todos os encontros com os donos do mundo como o realizador do "maior programa de distribuição de renda da face do planeta", o badalado Bolsa-Família distribuído a mais de 8 milhões de famintos, com os complementos do Fome Zero e do Primeiro Emprego.

Os recordes mundiais e os mais modestos êxitos domésticos mereceram sempre a qualificação dos maiores de todos os tempos, a desafiar comparação com seus antecessores, especialmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a idéia fixa tucana da sua especial ojeriza.

Na arrancada, pé no acelerador, Lula repetiu a profética certeza que se o século 19 foi da Europa e o século 20 dos Estados Unidos, o século 21 será do Brasil. E por que não? Ele está fazendo a sua parte, como comprovou citando dados estatísticos de memória, no desfile de sucessos, sempre carimbados com o desafio do cotejo com seus fracassados antecessores, FHC à frente do bloco. Categórico nas afirmações: tem certeza que nunca existiu mensalão e que o caixa 2 é prática antiga, que passa por todas as campanhas. Retificou a versão do cassado ex-deputado Roberto Jefferson que chorara ao ser por ele informado da prática do mensalão, para a compra ou aluguel de parlamentares. De olhos enxutos, ouviu a denúncia em reunião com ministros, conferiu e serenou com o desmentido dos deputados Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia, que de bate-pronto desqualificaram a denúncia como "obra de ficção".

Precavido, sai da reta batendo na tecla de que há três CPIs apurando as denúncias de corrupção, não há provas de nada e a conduta correta é esperar pelas conclusões antes de atirar pedras no telhado das reputações alheias.

Um peteleco nos adversários e o repique dos sinos sobre os sucessos incomparáveis do seu governo. Negou autoridade ao senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, para pedir o seu impedimento. No embalo, repetiu uma que ainda não decidiu se disputará a reeleição e nunca disse a ninguém, nem a dona Marisa, se concorrerá ou não à eleição em 2006.

Os retumbantes sucessos do seu governo, com os resultados positivos da política econômica, do crescimento do PIB, do superávit primário, da balança comercial, do nível de empregos, da queda de juros, comparadas com o desempenho dos "irresponsáveis governos anteriores" carimbam a evidência do candidato em plena campanha, que se jacta: "Às vezes, faço até oito discursos num dia", mas que se resguarda com o despiste tático de negar até o instante de abrir oficialmente o jogo.

A audácia de afirmar não conhece limites: a defesa ambiental, confiada à ministra Marina Silva – "que conhece os problemas da Amazônia como ninguém no mundo" – já adotou as medidas para conter o desmatamento. No caso da "transposição de 1% das águas do Rio São Francisco para matar a sede de 12 milhões de nordestinos na área mais seca do país", não há data para o início das obras, que começarão tão logo seja possível. Se um acidente de percurso não bloquear as veredas para a reeleição, o presidente Lula será um candidato que não pode ser menosprezado. O ar místico, o carisma, a facilidade de comunicação com o povo passam a convincente impressão que o candidato acredita no que diz, está certo do sucesso do seu governo e não teme comparações com nenhum outro.

Artes e manhas que funcionam no modelo vale-tudo de campanha, com caixa 2 e mensalão da decadência suicida da atual experiência democrática, velha e caduca aos 20 anos de vida devassa, viciosa e desregrada.

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