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O registro persistente de taxas medíocres de crescimento econômico e de diminutos progressos, quando não retrocessos, no campo social, nas últimas duas décadas e meia, no Brasil, fez emergir, na pauta de discussões das entidades empresariais, um assunto bastante complexo: a desindustrialização. Tal fenômeno poder ser retratado na perda de participação do setor manufatureiro na composição da renda interna do país e na sua expansão real de 40% entre 1980 e 2003, contra 45% e 71% da agropecuária e dos serviços, respectivamente, segundo cálculos realizados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A despeito da pertinência do debate acerca do apreciável conjunto de obstáculos ao funcionamento da indústria no país, há um exagero no diagnóstico de regressão. Isso porque, no intervalo de tempo compreendido entre o começo dos anos 1950 e a segunda metade da década de 1970, a contribuição da indústria para a formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro saltou de menos de 19% para mais de 40%. Nos dias atuais, o setor responde por cerca de 39% do esforço produtivo do país, tendo chegado ao piso de 35% em 1998, e por cerca de 19% da geração de empregos, depois de ter representado mais de 22% no passado.

De acordo com a experiência internacional, centrada no intervalo 1960–1980, é possível identificar dois tipos de desindustrialização. A primeira é natural, fruto do preenchimento dos derradeiros vazios da matriz produtiva e do simultâneo e subseqüente avanço das atividades terciárias, em sua maioria vinculadas direta e indiretamente à indústria. Os países que hospedaram tal episódio atingiram níveis de renda per capita entre US$ 10,0 mil e US$ 12,0 mil por ano.

A segunda forma de desindustrialização tem recebido o rótulo de precoce, abarcando o surgimento de um novo vetor de geração de renda, normalmente atrelado à exploração de algum recurso natural ou ao desenvolvimento de determinada aptidão – tendo como exemplos o gás holandês e o turismo na Grécia –, ou a interferência de fatores fortuitos, como as crises políticas e econômicas acontecidas na América Latina nos anos 1970 e 1980, desembocando no fechamento de empresas e de postos de trabalho.

No caso do Brasil, uma rápida interpretação da trajetória histórica permitiria reproduzir quase 50 anos de intensa industrialização, seguidos por 15 de estagnação, menos traumáticos do que a desindustrialização prematura vivida por outras nações latino-americanas.

A gênese do estagnacionismo repousaria temporalmente nos anos 1980 quando, a implementação de uma política econômica focada no alcance de dois objetivos pouco conciliáveis – geração de dólares líquidos na balança comercial para o pagamento dos juros da dívida externa e combate à hiperinflação inercial – exigiu condutas pouco amigáveis à continuidade da modernização e sofisticação do aparelho produtivo – completado durante a implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), no governo Geisel –, em uma fase em que o mundo globalizado engendrava a mudança do paradigma tecnológico, com a introdução da microeletrônica, liderando a Terceira Revolução Industrial.

Na seqüência, as estratégias indiscriminadas de abertura do mercado brasileiro aos capitais, produtos e empresas operantes no resto do mundo, de privatizações e de desregulamentação, somadas ao gerenciamento do Plano Real, baseado em câmbio baixo e juros altos, dificultaram as chances de sobrevivência e de reestruturação técnica-produtiva-organizacional das companhias industriais.

Não obstante a falta de uma retaguarda institucional de apoio aos ajustes, as empresas fizeram a sua parte. As organizações privadas procuraram dedicar-se à introdução de conceitos inovadores de gestão, à racionalização de linhas de produção, à substituição de processos, à importação de equipamentos modernos, à terceirização de atividades menos rentáveis, à implantação de sistemas de automação e de controle aprimorado de qualidade, dentre outros propósitos.

Até porque, por carregarem enorme informalidade, e conseqüentemente menor produtividade, os setores agropecuário e de serviços seriam incapazes de compensar a perda de dinamismo da indústria, o grande sinalizador da tendência e da direção da evolução dos negócios em uma economia madura, em razão dos seus efeitos multiplicadores dinâmicos. Foi um movimento concentrado em iniciativas de modernização, em sua maioria desconectadas de projetos de investimento em ampliação da capacidade produtiva, em função da falta de condições objetivas que permitissem aos atores privados vislumbrar a possibilidade de trilhar caminhos menos tortuosos no longo prazo.

A reestruturação industrial no Brasil, causada pelo mix recessão e reformas pró-mercado, resultou, ao mesmo tempo, em elevação da eficiência administrativa e produtiva das empresas e ampliação do contingente desempregado e precarização das relações de trabalho. Daí a manutenção de sua participação na renda total do sistema econômico.

Contudo, a reativação da produção industrial, verificada desde o final de 2002 e ancorada no desempenho exportador, começou a esbarrar nos juros e na carga tributária elevados e no câmbio valorizado, que encarecem os custos do setor privado, encurtam mercados e inibem o desengavetamento dos planos de inversões em aumento do potencial exportador e/ou em substituição de importações.

A superação das oscilações cíclicas do setor industrial depende da definição e execução de um projeto de desenvolvimento, ausente da mesa de decisões econômicas brasileira nos últimos 25 anos, devido à priorização do enfrentamento dos constrangimentos conjunturais e da conquista da estabilidade monetária.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da Unifae – Centro Universitário – FAE Business School.

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