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Onde você estava ontem de manhã?

Enquanto escrevo a coluna da sexta, para mim ainda é quinta de manhã. Um dia daqueles que a gente se lembra para sempre.

Chova ou faça sol, colunistas têm de ter sua coluna pronta no prazo. Chamam deadline porque é a linha que você sabe que está morto ao cruzá-la. Nesta quinta de manhã estou em um hospital aguardando um serzinho de 8 meses fazer uma cirurgia no crânio. Sinceramente não vejo meio de produzir 2.500 caracteres mais ou menos sensatos sobre ambiente, planeta ou congênere na deadline de muito logo mais.

Me ocorre agora as muitas vezes que falei mal de pessoas centradas no próprio umbigo enquanto o mundo desmorona. Desmatadores, fumantes, motoristas, mal-educados em geral, gente que joga lixo na rua, a lista é tão grande..., mas um tanto de individualismo me parece ótimo agora.

Quem sabe os altruístas se preocupam mais com os problemas do planeta somente porque têm menos problemas?

Bombeiros, plantonistas de emergência e cirurgiões não costumam preocupar-se com os aspectos ambientais de seu trabalho. Aliás, espero muito que o cirurgião neste momento não esteja pensando no impacto ambiental de centros cirúrgicos.

Talvez haja muita gente por aí vivendo algum problema rotineiramente deste jeito, com algum problema grande e por isso não vejam muito sentido em coletar água da chuva ou compostar resíduos domésticos.

Sempre também falei mal, por exemplo, de gente que senta os filhos em balcões e mesas onde pessoas comem. Sempre me pareceu um recado do tipo "minha dor no braço é mais importante que sua higiene, sua saúde. Eis que ontem me peguei fazendo exatamente isso (mas logo me mudei para um canto). É meio egoísta, mas o bebê fica próximo de você sem precisar segurar.

Muito mais do que a higiene terrestre, se alguém propusesse trocar o mundo inteiro, incluindo balcões, a capela sistina e a galinha pintadinha pelo serzinho de crânio aberto lá dentro, responderia... – Onde é que assina?

É um paradoxo interessante trabalhar para um mundo melhor para nossos filhos e ao mesmo tempo dispor-se a trocá-lo por eles, mas por outro lado, que uso ele poderia fazer da própria vida sem um mundo para viver e descobrir?

Depois de horas escrevendo o textinho meia-boca desta semana, recebemos a notícia que tudo está bem.

– Que será que fazem com as fraldas no hospital? Será que deixam levar as fraldas sujas do meu serzinho para compostar em casa? Talvez o segredo dos ambientalistas seja enxergar seus próprios problemas menores que os do resto do mundo.

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