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Já está tramitando – com rapidez inusitada – no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 236, de 2012, de autoria do senador José Sarney e que institui um novo Código Penal. No editorial de 26 de agosto, esta Gazeta do Povo afirmou com muita propriedade ser "irreal esperar que os senadores consigam analisar em poucas semanas o texto que a comissão de juristas levou sete meses para elaborar". Após denunciar propostas absolutamente incompatíveis com o bom senso e a opinião geral dos cidadãos, o editorial enfatiza: "A conclusão é a de que, quanto menos tais propostas permanecerem em discussão, menor a possibilidade de que a sociedade civil tome conhecimento delas e possa manifestar seu desagrado"

Associações científicas dedicadas à teoria e à prática das leis penais em nosso país, como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), de prestígio internacional, estão divulgando um manifesto de repúdio ao Projeto Sarney, demonstrando as graves distorções e a absoluta falta de proporcionalidade entre muitos crimes e penas. Como exemplo marcante, o documento menciona o artigo 394 do projeto, que prevê o crime de "deixar de prestar assistência ou socorro, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública". A pena é de um a quatro anos. E a omissão de socorro a criança abandonada ou extraviada ou a pessoa inválida ou ferida é punida com a prisão de um a seis meses ou multa (art. 132).

Em síntese: no caso de criança abandonada ou pessoa ferida, a pena mínima é de um mês ou multa; em relação a qualquer animal, é de um ano – 12 vezes superior! É elementar que a proteção aos animais é uma demonstração de sensibilidade humana reconhecida e apoiada pela sociedade e pelos poderes públicos, como ocorre com a Lei n.º 9.605/1998, que dedica uma seção aos crimes contra a fauna puníveis com prisão e multa. O problema é a absoluta falta de critério do malsinado projeto, que também chega ao extremo de eliminar o livramento condicional em favor do presidiário de bom comportamento e que cumpriu uma parte considerável da pena. Trata-se de uma extraordinária conquista de esperança do condenado, um adequado meio de reinserção social e um eficiente instrumento de disciplina penitenciária. A prevalecer essa teoria do absurdo em matéria de política penitenciária, nosso país sofrerá ainda mais as consequências dramáticas da superpopulação carcerária, um grave problema humano e social.

Em outra passagem, o Projeto Sarney, inovando radicalmente no ordenamento penal, propõe a eutanásia nos seguintes termos: "Art.122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos". Mas a proposta omite, gravemente, o diagnóstico médico acerca do estado terminal do paciente. E, gerando absoluta insegurança acerca da vida humana como bem fundamental, o projeto admite o "perdão judicial" nos seguintes termos: "§ 1.º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente". Dependendo da evolução da criminalidade e da violência em lugar do gesto humanitário para a "morte piedosa", algum parente mercenário poderá desenvolver um novo tipo de "abertura de inventário".

René Ariel Dotti, professor titular de Direito Penal, é membro da comissão da Ordem dos Advogados do Brasil para estudo do Projeto de Lei 236/2012.

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