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Entramos em contagem regressiva para o referendo do dia 23. No próximo domingo, vamos decidir, nas urnas, se o Brasil vai seguir pelo caminho da paz ou se vai continuar alimentando a violência, com a multiplicação de um arsenal que já destrói quase 40 mil vidas por ano. Pela primeira vez em nossa História, temos, nas mãos de cada um de nós, o poder de uma decisão tão importante para a vida do país. Se a proibição do comércio de armas de fogo for aprovada, como acredito que será, este significa o primeiro passo para poupar milhares e milhares de vida, a cada ano. "Mas e o nosso direito à legítima defesa?", grita a turma da bala, adepta do lema "olho por olho, dente por dente". Que direito? Que defesa? Por acaso um marido ciumento tem o direito de dar um tiro na própria mulher? Ou um sujeito bêbado tem o direito de matar o colega numa briga de bar, numa discussão de trânsito? Quem não conhece algum caso de uma criança que acabou ferida ou morta depois de ter encontrado uma arma em casa ou levado para a escola?

Não dá para esconder: não é somente arma de bandido que mata. A maioria dos crimes com armas de fogo é cometida por pessoas sem antecedentes criminais, depois de conflitos conjugais ou domésticos, brigas num bar, numa festa. É só passar os olhos pelos noticiários policiais. Ou conferir a pesquisa da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, divulgada no começo do mês: só 28% das armas apreendidas pela polícia com bandidos têm origem no contrabando; nada mais nada menos que 72% são desviadas de cidadãos de bem ou da própria polícia – 61% de pessoas físicas, sem qualquer antecedente criminal. Essas armas, compradas teoricamente para defender o cidadão, foram usadas para matar, estuprar e roubar. A Secretaria detalha os números: armas compradas por pessoas sem antecedentes criminais em lojas regulares foram usadas em 67% dos estupros; 51% dos roubos; 38% dos homicídios; 46% dos latrocínios; e 49% das lesões. A ilusão de que uma arma de fogo vai proteger alguém também não se sustenta. Arma não protege, arma mata. Ter uma arma em casa é conviver com o risco de uma tragédia, é ter o perigo ali, ao alcance de uma criança curiosa, de um adolescente atrevido, uma mulher humilhada, um companheiro ciumento, um colega desequilibrado. Mais que isso, ter uma arma em casa é multiplicar o perigo diante de uma agressão. As pesquisas demonstram que o bandido tende a ser muito mais violento na presença de uma vítima armada. Ele mata a vítima e ainda rouba a arma. Pesquisa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo já comprovou que a chance de uma vítima armada morrer em um assalto é quase três vezes maior do que o de uma vítima desarmada. Que proteção é essa que a turma da bala tanto prega?

Não, nós não vamos acabar com a violência votando Sim no dia 23. Mas vamos poupar milhares de vida, como as últimas estatísticas do Ministério da Saúde já comprovaram. Com o Estatuto do Desarmamento e a campanha que recolheu mais de 400 mil armas no país inteiro, o Brasil pôde comemorar, pela primeira vez em 13 anos, uma redução do número de vítimas de armas de fogo. Foram 36.091 mortes em 2004, contra 39.325 mortes em 2003.

Mais de 3 mil vidas foram salvas. E outras milhares vão ser salvas, a cada ano, com o nosso voto Sim, no referendo de domingo. O que não nos tira o direito – e o dever – de lutar, sem trégua, contra as raízes da violência, brigando por mais investimentos na área social, por uma política efetiva de segurança pública, por uma Justiça mais ágil, uma legislação penal mais moderna.

Acabar com a violência é uma longa caminhada. Precisamos dar o primeiro passo.

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