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O ex-chanceler alemão Helmuth Schmidt, que era um fanático por livros, costumava dizer que quando entrava em uma livraria, se sentia como um sultão que entra em um harém: sabia o que fazer, só não sabia por onde começar. Quando se acompanha o desenrolar interminável da crise política atual, é-se tentado a concluir que, na melhor das hipóteses, as três CPIs que apuram a corrupção sabem o que fazer e só não sabem por onde começar; e na pior, que não sabem nem o que fazer nem como começar.

A impressão que se tem olhando de fora é que as CPIs estão às voltas com algo muito maior do que suspeitavam e que, a cada dia, têm sua atenção desviada para um novo indício e uma nova trilha que se abre. Ao segui-los, no entanto, em vez de se aproximar de certezas a respeito do que aconteceu ficam mais emaranhados em dúvidas e confusão. Já se vão 120 dias desde da eclosão das primeiras denúncias e ainda se sabe muito pouco se considerado o trabalho desenvolvido. O publicitário Marcos Valério virou uma espécie de factotum da corrupção, o homem que arrecada, paga, transfere dinheiro para o exterior, faz e solicita favores, intermedia negócios. É um corruptor full-time, um magneto para todas as safadezas da república que vai atraindo novos personagens e os engolindo a todos. Enquanto isso, as pontas para se chegar realmente a algumas conclusões úteis vão ficando pelo caminho. Falta um modelo para a investigação inteira.

Proponho que vamos buscá-lo nas três assim chamadas Leis da Bioeconomia: primeira, tudo vem de algum lugar; segunda, tudo vai para algum lugar; e terceira e mais importante, não existe almoço grátis. Quanto ao destino do dinheiro há um relativo avanço e já foram identificados pelo menos alguns beneficiários das mutretas. No tocante às origens, as CPIs vão de mau a pior e tudo até agora está no reino das hipóteses, o que favorece a corrupção ao manter os corruptores no escuro e os corrompidos à vontade para exigir que se apresentem provas de que o dinheiro que receberam é público. Mas é no tocante à terceira lei que o nevoeiro é mais espesso: se não existe almoço grátis, por que e para que a dinheirama toda foi derramada? Que o dinheiro é público é absolutamente certo, pois se não fosse teríamos o primeiro caso de um tipo de mecenato até agora desconhecido na história política dos povos: alguém usar seu dinheiro próprio para comprar a simpatia dos poderosos sem ganhar algo em troca. Aliás, a história conhecida da corrupção parece mostrar que os que corrompem costumam pagar por serviços recebidos e não investir para receber eventuais recompensas futuras.

Alguns auditores contábeis experimentados rapidamente recolocariam as CPIs nos trilhos, mas enquanto eles não estão disponíveis, algumas coisas simples ajudariam a desenrolar o assunto: primeiro, evitar a palhaçada da acareação entre todos os envolvidos na corrupção dos bingos, que – como não podia deixar de ser – transformou-se em um bate-boca estéril e improfícuo. Os acareados deveriam ser colocados face a face em pares, em sessões fechadas, evitando-se a tentação dos holofotes que parecem cegar muitos membros das comissões e obnubilar suas inteligências levando-os a fazer perguntas de resposta óbvia ou simplesmente cretinas. Seria interessante também ir um pouco mais a fundo em alguns poucos assuntos do que ciscar em vários terreiros. O senador Garibaldi Alves, que não é um jejuno, pergunta a Waldomiro Diniz o que teria ido fazer na diretoria da Caixa Econômica dois dias antes da decisão sobre a renovação de um contrato milionário de apuração de loterias sobre a qual existem fortes suspeitas de corrupção; resposta: "Ia participar de uma reunião, mas quando cheguei lá descobri que a reunião havia sido cancelada". Com quem? Com o diretor de loterias da CEF e alguns assessores. Fim do assunto. Mas por que não perguntar duas coisas simples a Diniz: desde quando um subministro como ele sai de sua sala no Palácio do Planalto para participar de uma reunião com um diretor de estatal, funcionário de terceiro escalão, e é submetido ao vexame de perder seu tempo pois a reunião foi cancelada e ele não foi sequer avisado? Ou ainda mais simples: que iria ele tratar nessa suposta reunião, uma vez que, ao que se saiba, cuidar de assuntos de loteria não estava na alçada da subchefia que ocupava na Casa Civil? Alguns advogados amigos meus salivaram ao descobrir que algumas empresas pagam milhões por um simples mandado de segurança que acaba não sendo impetrado ou mais de 100 mil reais pagos ao deputado José Mentor para prestar um "assessoramento jurídico" eventual e não especificado. Para ganhar muito menos, licitamente, eles passam dias e noites às voltas com os data maxima venia, os rebus sic stantibus e os uti possidetis, uti possideatis da incrivelmente complexa ciência jurídica.

P.S. – Cobras e Lagartos, o programa de debates da TV da UFPR criado por Ney Hamilton Michaud, completa 2 anos fiel ao projeto original: "Uma análise sem concessões a respeito de tudo e de todos". Mais do que um exemplo de sobrevivência, é uma prova de que a diversidade é a base da verdadeira universidade. No Canal da TV da UFPR (15 da Net, 71 da TVA e 21 UHF em dias e horas randômicos).

BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR é um dos lagartos do cobra Ney Hamilton Michaud na TV UFPR.

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