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A felicidade está nas emoções e nos relacionamentos, e não nas coisas. As coisas não têm valor em si mesmas; elas só valem pela capacidade de satisfazer alguma necessidade vital ou para permitir a expressão de algum sentimento ou emoção. O alimento vale porque mata a fome; a roupa, porque abriga o corpo; a cama, porque propicia o repouso. Essas são, todas, necessidades vitais, sem as quais o corpo físico deperece. Já uma música vale pela sensação de êxtase; um romance, pelo prazer da leitura; uma comédia, pela alegria do riso. Essas são emoções da mente, do espírito ou da alma. Sem elas, o corpo não fenece, mas o ser humano se entristece. Há produtos que atendem às duas necessidades: a vital e a emocional. Quando alguém compra uma roupa bonita, ela abriga o corpo, mas também permite o exercício da vaidade, cumprindo, assim, as duas funções.

Volta e meia retornam as propostas de tributar, com altas taxas, os chamados "bens supérfluos", entendendo como tais aqueles de que o ser humano não precisa para manter-se vivo e que, portanto, deveriam sofrer pesada tributação. O argumento, que veremos ser equivocado, é sempre de que essa medida ajudaria a melhorar a distribuição da renda nacional, já que a tributação daria dinheiro ao governo para prestar serviços públicos aos pobres. Vários são os equívocos dessa proposta. O primeiro é que a eficiência do governo para melhorar a distribuição da renda em favor dos mais pobres não está diretamente ligada a apenas um tributo isoladamente. O governo tem um orçamento geral, composto pelos mais de 60 tributos que a sociedade paga. Estabelecido o montante que o governo arrecada, ele define o conjunto de gastos públicos, nos três níveis: municípios, estados e União. Não é um ou outro tributo sozinho que define se o governo faz bem o seu papel de distribuir a renda. O desempenho do governo só pode ser feito pela avaliação da política fiscal, sobretudo a política de gastos, como um todo.

O segundo equívoco é que se trata de um imposto da raiva, ou seja, ao verem as pessoas comprando bens e serviços que, a juízo de alguns, são chamados supérfluos, porque não são destinados à manutenção da vida do corpo físico, resolvem que eles devem ter pesada carga tributária. Em meados de 2004, foi apresentado na Câmara dos Deputados um projeto de lei estabelecendo que todos que auferissem renda superior a 8 mil reais deveriam entregar o excedente, integralmente, ao governo. Embora se trate de uma burrice misturada com paranóia, lá estava a proposta de um deputado, um representante do povo.

O terceiro equívoco é que tal visão do que seja um bem supérfluo é pequena, mesquinha e reducionista do que seja a vida na Terra. O ser humano não é um animal sem consciência, sem desejos, sem vontades, sem emoções, sem um código de ética, sem sentimentos, sem espírito e sem alma. Para os ateus, pode até ser sem espírito e sem alma, mas as demais características estão presentes na personalidade desse ser único. Os bens necessários à manutenção da vida, como alimento, roupa e abrigo, não são os únicos para a realização da condição humana e a beleza desse animal racional está precisamente na grande variedade de aspectos, na complexidade desse ser e nas diferentes formas de viver e de ver a vida. É uma atitude de arrogância e prepotência querer atribuir, a um parlamentar, a condição de julgar e concluir o que é e o que não é produto supérfluo. Ninguém tem condição de ser árbitro das necessidades e dos produtos que fazem outrem feliz.

Outro aspecto dessa questão é que os produtos que não são aqueles necessários à manutenção das funções biológicas do corpo físico já são pesadamente tributados. Esses projetos de imposição de impostos sobre bens supérfluos são apenas justificativas grosseiras para a sanha tributária do agente público, que já chegou ao limite do quanto se pode extrair da sociedade de forma impositiva. Há, ainda, a agravante de que o governo, ao intervir no mercado, é um gerador de distorções que pioram as condições de vida e diminuem a ética fiscal. Ao parlamentar que apresentou o projeto de tributar os bens supérfluos sugiro que se dedique a estudar os resultados da intervenção do governo no mercado. No Brasil, há pelo menos quatro efeitos que se repetem a cada vez que o Estado se mete a regular a vida social: a) elevação dos custos das transações e da fiscalização; b) ineficiência do aparelho público na intervenção; c) corrupção e piora da ética social; d) conseqüências colaterais que geram resultados diferentes do motivo da intervenção.

O governo que está nos livros é apresentado, pelos escritores, como um ente bondoso e produtor de justiça social; mas o governo concreto, esse que dirige os povos, é um monstro que nos suga e, além de tudo, deseja ser amado. José Pio Martins é vice-reitor e professor de Economia do Centro Universitário Positivo (UnicenP).

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