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A vacinação é uma prática de saúde preventiva de grande impacto na redução de complicações e mortes por doenças controladas por vacinas. A política pública de vacinação em massa no Brasil é considerada eficiente e exitosa. O Programa Nacional de Imunizações conquistou um dos mais amplos calendários de vacinação do mundo, ofertando em 2015 vacinas contra 18 doenças à população infanto-juvenil, de forma universal e gratuita, e vem alcançando elevada cobertura vacinal. Apesar disso, um inquérito nacional em 2007 apontou uma diminuição da taxa de crianças com o calendário básico de vacinação completo em famílias pertencentes ao estrato A em dez capitais do país, incluindo Curitiba, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Um estudo em São Paulo com entrevistas a casais de camadas médias e alta escolaridade que não vacinaram os filhos revelou que as principais justificativas para essa decisão foram: as doenças que as vacinas protegem estão controladas ou foram consideradas leves, tornando a vacinação desnecessária; medo dos eventos adversos das vacinas, tanto após a aplicação, quanto possíveis consequências no longo prazo no corpo da criança; busca por um modo de vida mais saudável, em que a vacina é vista como um produto biológico não natural; questionamento da validade das vacinas, criticando, por exemplo, que a eficácia não é de 100%; crítica ao calendário básico de vacinação do Brasil, sobretudo pelo excesso de doses dadas em idades precoces da criança e, por fim, crítica aos interesses financeiros associados às vacinas, como os lucros das indústrias farmacêuticas.

Esses casais, assim como aqueles que vacinaram e os que selecionaram quais vacinas aplicar, veem a decisão de vacinar ou não os filhos como um atributo do cuidado parental, sempre na mesma lógica de que essa escolha visou "fazer o melhor aos filhos". A questão que tem de ser debatida, deixando de lado culpabilização ou julgamento de valores, é que a "boa intenção" de não vacinar ou de selecionar algumas vacinas, é uma ação tomada na perspectiva exclusivamente individualizante, no âmbito singular e privado dessas famílias, não considerando um fator extremamente relevante sobre as práticas de vacinação: a função coletiva das vacinas. A vacinação em massa, criticada e "renunciada" por esses pais, tem um importante papel chamado "imunidade de rebanho", caracterizado pela proteção indireta de indivíduos não vacinados, com contraindicação da vacina ou com vulnerabilidade quando se tem uma população com alto índice de cobertura vacinal, além de permitir a eliminação da circulação do agente transmissor da doença na comunidade.

Prevalece na sociedade urbana contemporânea um vasto campo de possibilidades e o valor da liberdade, sob uma lógica individualizante, incluindo as decisões sobre o cuidado e a vacinação infantil, não alcança a percepção de que o controle da maioria das doenças preveníveis por vacina é consequência de uma ação que deve ser compreendida como coletiva, e sendo assim, todos têm corresponsabilidade, o Estado e os indivíduos. O aumento de pais contrários à vacinação infantil no Brasil pode ocasionar a recirculação de doenças antes controladas – como a poliomielite que ainda é endêmica no Paquistão, Afeganistão e Nigéria –e a ocorrência de surtos de doenças como os recentes surtos de sarampo no Brasil e no mundo.

Carolina Luisa Alves Barbieri, doutora em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da USP, Médica pediatra do Hospital Sírio-Libanês.

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