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Mesmo após a Primavera Árabe, a nova Constituição proposta para o país não garante todas as liberdades democráticas esperadas pela oposição secular

Os egípcios devem começar hoje a votar pela aprovação ou rejeição da nova Constituição do país, um texto que, segundo a oposição, abriria espaço para a implantação de um regime islâmico no país. A votação, deveria ocorrer apenas neste sábado, mas foi ampliada também para o dia 22, com o argumento de que o pleito em dois dias facilitaria a fiscalização, pois não haveria pessoal suficiente para o trabalho caso o plebiscito ficasse restrito a um único dia. O país, que viveu a esperança da democracia após a queda do ditador Hosni Mubarak, passou por momentos turbulentos nos últimos meses, intensificados há algumas semanas.

O presidente do país, Mohamed Mursi, eleito em junho deste ano para suceder Mubarak, levou a população a reviver os momentos da Primavera Árabe em 22 de novembro, ao assinar um decreto concedendo a si mesmo plenos poderes e imunidade judicial. O argumento de que era preciso ampliar os poderes do presidente para proteger a assembleia constituinte do país até faz algum sentido: ainda antes do segundo turno da eleição presidencial, a Corte Constitucional havia dissolvido todo o Parlamento recém-eleito alegando que alguns de seus membros tinham sido escolhidos irregularmente. O Judiciário egípcio ainda é dominado por remanescentes da ditadura de Mubarak, adversário da Irmandade Muçulmana, grupo que conquistou a maioria no Legislativo. No entanto, se os juízes erraram ao dissolver inteiramente o Parlamento em vez de ordenar apenas a substituição daqueles que foram eleitos contra as regras, Mursi errou ainda mais ao fazer de si mesmo um quase-ditador sob o pretexto de proteger os constituintes. Ele só recuou de sua decisão ao observar as consequências desastrosas de sua medida.

A Constituição que o povo egípcio aprovará ou rejeitará não é o melhor meio para levar o país à democracia plena. Logo nos primeiros artigos, os princípios da sharia (a lei islâmica) são consagrados como a principal fonte da legislação – a antiga Constituição da era Mubarak previa o mesmo, mas o ditador nunca se esforçou para fazer valer o texto, o que não deverá acontecer sob um governo islamita. A carta prevê ainda punições para casos de blasfêmia e dá brechas para a formação de uma polícia religiosa aos moldes sauditas. Essa islamização das leis é consequência de uma assembleia constituinte dominada pela Irmandade Muçulmana e pelos salafistas. Os membros não islâmicos, incluindo representantes das igrejas cristãs egípcias, renunciaram em protesto, deixando os islamitas praticamente sozinhos na redação da Carta, que foi elaborada às pressas. Há acusações de que parte do texto constitucional teria sido escrita fora das reuniões da assembleia.

Os islamitas, obviamente, vêm fazendo campanha pelo "sim". A oposição secular, por enquanto, pede que os eleitores recusem a nova Constituição, mas pode mudar de postura e estimular o boicote de última hora à consulta, se perceber que não há garantias de que a votação será limpa. Independentemente do resultado, não há dúvidas de que um texto que efetivamente consagrasse os princípios democráticos seria muito melhor que a lei proposta para aprovação a partir de hoje.

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