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A autocomplacência seria a principal característica brasileira, de acordo com Elizabeth Bishop, que viveu anos entre nós, gostava da poesia e da paisagem, mas não era admiradora do caráter nacional. A palavra pode ser traduzida como indulgência com os próprios defeitos ou tendência a tomar os vícios como qualidades. Desse ponto de vista, a volta do crescimento baixo terá servido de antídoto ao triunfalismo precoce de dois anos atrás. A tentação de cantar vitória antes do tempo é vezo antigo e generalizado, desde as Copas do Mundo como a fatídica de 1950, em que entramos campeões e saímos perdedores, até o "milagre econômico" frustrado de 1970.

No começo do século 20, o Barão do Rio Branco afirmava ser indispensável que, em 50 anos, ao menos quatro ou cinco países latino-americanos atingissem o nível dos EUA e das potências europeias. Hoje, 110 anos mais tarde, nossa renda per capita não passa de 20% da americana. Na hipótese inverossímil de crescermos sempre a 4% e os EUA, a apenas 1% por ano, chegaríamos a 2030 com 30% da renda deles!

Não é por masoquismo que temos de repetir essas coisas. Somos um povo exuberante, pouco afeito à modéstia dos suíços, e precisamos de um choque de sobriedade de vez em quando. A mais recente chamada de volta à realidade é a mudança para pior da percepção mundial e interna sobre o Brasil. Dois anos de baixo dinamismo mostraram o que já era evidente: o país, salvo uma ou outra exceção, crescia a taxa inferior à média mundial, dos emergentes e da América Latina. Em 2012, comparado aos quatro melhores latinos – Chile, Peru, México e Colômbia –, o Brasil tem a menor taxa de expansão e a maior de inflação! Nossa taxa de investimento é inferior em cinco pontos à do México e em oito à do Chile.

Houve até uma inversão no desempenho. Até o colapso dos 1980, o país apresentava desempenho econômico dinâmico, contrastando com medíocre melhoria dos índices sociais. Agora é o contrário: reduzimos a pobreza, atenuamos a desigualdade, atingimos quase o pleno emprego, mas crescemos pouco e poupamos menos ainda, investindo em infraestrutura só um terço do nível de 1970 (2% contra 6%). O pior é que parece haver uma ligação perversa entre fatores sociais e econômicos: a melhoria da renda, do emprego, do consumo se fazendo em prejuízo da poupança, do investimento, do custo de produção e da competitividade.

Há alguma semelhança entre a situação brasileira e a que levou os europeus mediterrâneos à atual crise, sobretudo em relação à alta dos custos produtivos sem compensações de produtividade. Nossa vantagem é não termos crise e dispormos de razoável consenso interno de diagnóstico. O perigo é que a volta do crescimento induzido por medidas pró-consumo reative a ilusão de que será sustentável. Não é: o combate à complacência obriga a afirmar que só vamos conciliar inclusão social com crescimento se formos capazes de aumentar o investimento e reconquistar a competitividade sem artifícios nem protecionismo.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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