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Pessoas em várias partes do mundo todo têm sofrido com as desastrosas repercussões do filme Innocence of Muslims, uma produção norte-americana amadora cujo trailler foi divulgado recentemente no YouTube, em inglês e árabe. O vídeo, de baixíssima qualidade, retrata Maomé como filho bastardo, violento, bissexual e pedófilo, além de obcecado pelo poder.

Apelativo, o filme parece ter conseguido seu objetivo: provocar a fúria da população muçulmana. Desde sua aparição e, principalmente, sua tradução para o árabe, vários protestos ocorreram em várias partes do mundo, com ataques violentos que espalharam uma onda de terror pelo mundo islâmico. Inúmeros chefes de Estado e de governo condenaram tanto o vídeo quanto os excessos que se lhe seguiram. Em vão.

Não é por acaso que a violência exacerbada, exercida nas ruas, com derramamento de sangue, está ocorrendo principalmente na Líbia e no Egito. Na Líbia, o ataque com bomba ao consulado dos Estados Unidos matou seu embaixador e mais três pessoas, justamente no dia 11 de setembro. Nesses países, estão se organizando cada vez mais os árabes salafitas, um grupo ultrarradical conservador que venera os mais antigos muçulmanos, os predecessores (Salaf), como modelo de prática do Islã, que deve ser rígida e pura, sem aberturas ou novas interpretações. Em sua maioria, os salafitas são antiamericanos, atuam de forma radical, incitam a violência e não medem esforços em sua luta para enquadrar a humanidade em sua filosofia religiosa. Na rede terrorista Al-Qaeda, por exemplo, prevalece essa visão islâmica.

Os salafitas, até então aversos ao mundo político, agora têm procurado ocupar mais espaços justamente em países que apresentam fragilidades ou vácuos no poder, em função da queda dos ditadores decorrente da Primavera Árabe. O governo da Tunísia, por exemplo, tem se preparado para uma investida do grupo em seu país.

Para agravar a situação, com a facilitação dos meios tecnológicos, seus protestos incitando o ódio ganham facilmente adeptos pertencentes a outros grupos que, muitas vezes independentemente de religião, se aproximam por questões sociais, econômicas e culturais, mas que nem por isso deixam de perpetuar as manifestações violentas e sanguinárias, gerando uma grande leva de terror.

Do lado norte-americano, a alegação sempre se baseia na liberdade de expressão, que deve ser garantida a qualquer custo, mesmo quando ela representa provocação religiosa – o mesmo argumento utilizado pelo jornal francês Charlie Hebdo, que vem publicando charges anti-Islã, enfurecendo o mundo islâmico. O combate ao terrorismo também está impregnado na sociedade norte-americana e a defesa do território e seus valores tem amplo alcance entre a população, o que é muito conveniente de se alegar neste momento de eleições no país.

Independentemente da origem ou das consequências, a questão se apresenta como uma sobreposição de fundamentalismos – "fundamentalismo" no sentido de retorno aos princípios considerados fundamentais ou fundantes de determinado grupo, com base em uma posição dogmática inflexível e apelo a uma crença irracional, podendo chegar ao fanatismo exagerado.

Liberdade de expressão, de um lado, e liberdade de manifestação, de outro, são ambos direitos reconhecidos e garantidos a cada pessoa. Mas ambos têm limite, que é atingido justamente quando seu exercício atinge o nível da violência, colocando em perigo a vida de milhares de outras pessoas.

Tatyana Scheila Friedrich é professora de Direito Internacional Privado da UFPR.

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