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Após o massacre na escola de Connecticut, um pensamento ecoa em minha mente: Por que não conseguimos ter a mesma seriedade para regulamentar a posse de armas que temos para regulamentar a de automóveis?

O motivo fundamental pelo qual as crianças morrem em massacres como esse não é o de termos lunáticos ou criminosos – todos os países têm os seus –, mas o fato de que sofremos de um fracasso político em regulamentar armamentos.

Crianças entre 5 a 14 anos nos EUA têm 13 vezes mais chances de serem assassinadas por armas de fogo do que crianças em outros países industrializados, segundo David Hemenway, especialista em saúde pública de Harvard, autor de um livro excelente sobre violência armada.

Por isso, é urgente que tratemos armas de fogo de maneira racional, como o centro de uma crise de saúde pública, que ceifa uma vida a cada 20 minutos. Não é realista imaginar que os Estados Unidos irão proibir a posse de armas de fogo, mas podemos tomar algumas medidas para reduzir a carnificina.

Crianças em idade escolar nos EUA são protegidas por códigos de construção civil que regem escadarias e janelas. Ônibus escolares devem estar à altura dos padrões de segurança, e motoristas de ônibus precisam passar por vários testes. A comida nas cantinas é regulada, pela segurança das crianças. As únicas coisas com as quais parecemos não nos incomodar são as com maior probabilidade de resultar em mortes.

Regulamos até mesmo armas de brinquedo, ao exigir que tenham pontas de cor laranja – mas os legisladores não são capazes de enfrentar os extremistas da Associação Nacional do Rifle [NRA, na sigla em inglês] e regular as armas reais com o mesmo afinco que regulam as de brinquedo. O que fazer do contraste entre os professores heroicos que precisam lidar com atiradores, e políticos covardes e ineficazes que não conseguem nem lidar com o NRA?

A tragédia não é só um massacre em uma escola, mas o número crescente de assassinatos ocorrendo no país inteiro. O número de pessoas em nosso país que morrem em homicídios e suicídios por armas de fogo é maior do que o de mortos nos últimos 25 anos em todos os ataques terroristas e guerras no Afeganistão e Iraque somados.

Então, o que podemos fazer? Um bom começo seria limitar o número de compras para uma por mês, a fim de inibir traficantes de armas. De maneira semelhante, deveríamos restringir a venda de pentes de munição de alta capacidade, para limitar o número de pessoas que um atirador é capaz de atingir antes de recarregar.

Devemos impor uma verificação universal de antecedentes para compradores de armas, mesmo em vendas particulares, bem como fazer com que seja mais difícil lixar os números de série. Vamos apoiar a Califórnia em seus esforços para exigir que novas armas imprimam uma pequena marca em todos os projéteis disparados, de modo que cada um deles possa ser rastreado até a arma que o disparou.

Outros países podem nos servir de guia. Na Austrália, em 1996, um massacre de 35 pessoas galvanizou o primeiro ministro da nação, que era conservador, a proibir armas de fogo rápido. O "acordo nacional sobre armas de fogo", como ficou conhecido, levou ao estorno de 650 mil armas e a regras mais rígidas para o licenciamento e armazenamento seguro das armas restantes entre o público.

A lei não pôs fim à posse legal de armas na Austrália. Ela, no entanto, reduziu o número de armas de fogo em 1/5, e esse 1/5 era justamente o tipo de armas mais prováveis de serem usadas em massacres.

Nos 18 anos anteriores à lei, a Austrália sofreu 13 tiroteios em massa – mas nenhum outro nos 14 anos após a lei entrar em vigor. A taxa de assassinatos por armas de fogo caiu por mais de 40%, de acordo com dados compilados pelo Centro de Pesquisa de Controle de Ferimentos de Harvard, e a taxa de suicídios com armas de fogo caiu em mais da metade.

Ou podemos ainda ter como exemplo o Canadá, mais ao norte. Lá, é necessário um período de espera de 28 dias para se comprar uma arma de fogo, e o país impõe também uma garantia inteligente sobre os compradores: eles precisam ter o voto de confiança de duas outras pessoas.

E, por fim, podemos tirar inspiração de nossa própria história, no que diz respeito à segurança no trânsito. Assim como com as armas, as mortes no trânsito eram causadas por pessoas que infringiam as leis ou se comportavam de maneira irresponsável. Mas a gente não ignorou isso, dizendo "carros não matam gente, quem mata são os bêbados".

Em vez disso, passamos a exigir cintos de segurança, airbags, assentos para crianças e padrões de segurança. Introduzimos as licenças limitadas para jovens motoristas e tentamos inibir o uso de telefones móveis no volante. Todas essas medidas reduziram a taxa de fatalidade no trânsito no país em quase 90%, desde a década de 1950.

Alguns de vocês estão vivos hoje por causa desses regulamentos de segurança no trânsito. E, se não tratarmos as armas de fogo com a mesma seriedade, alguns de vocês e seus filhos morrerão como vítimas de nosso fracasso.

Tradução: Adriano Scandolara

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